Por: agroinsight
O Brasil foi capaz de construir um ambiente institucional de pesquisa promotor do desenvolvimento agropecuário nos últimos 50 anos. Não há dúvidas de que, no caso brasileiro, a mudança tecnológica foi cada vez mais um processo gerado por transformações institucionais endógenas e a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi central na dinâmica produtiva setorial (Alves, 2010; Fishlow; Vieira Filho, 2020). Assim, a produtividade total dos fatores cresceu de forma ininterrupta, alcançando desempenho satisfatório, se comparada a outras economias e setores de atividade econômica (Gasques et al., 2012).
Para manter a vanguarda produtiva na agricultura e na pecuária, é necessário, além de manter o arcabouço institucional construído, responder a três grandes problemas (Alves et al., 2019). O primeiro é o de baixar o custo da alimentação para o povo brasileiro. O segundo é o de abrir canais de exportação e escoar o excedente de produção. O terceiro é o de incluir uma multidão de agricultores, excluídos da modernização, na dinâmica produtiva agropecuária. Então, o futuro da Embrapa é lidar com esses três problemas, que trazem importantes desafios.
Com o crescimento populacional e, consequentemente, com o aumento da demanda por alimentos, a redução dos custos só acontece quando a oferta produtiva cresce a uma taxa maior do que a expansão da demanda. No curto prazo, o aumento da quantidade ofertada se dá a preços mais elevados. Contudo, no longo prazo, o deslocamento da curva de oferta se dá com investimentos, públicos e privados, em ciência e tecnologia, o que ocasionaria uma redução sustentável dos preços.
Não há, portanto, solução de crescimento econômico dissociada dos investimentos. Observa-se, de um lado, a redução dos preços. De outro, tem-se a diminuição ain- da mais efetiva dos custos produtivos. Nesse sentido, o retorno financeiro é capaz de remunerar o investimento produtivo. Essa situação só é viável com o desenvolvimento de capital humano e com a adoção de novas tecnologias.
A tecnologia explicou a maior parte do crescimento no valor bruto da produção, parcela que aumentou no tempo e atingiu 61% em 2017. Esse fato se associa diretamente à modernização da agricultura, que é cada vez menos intensiva em trabalho, fator produtivo que reduziu sua participação de 31,5% para 19,5%, de 1995 para 2017. A contribuição da terra praticamente se estabilizou em torno de 20%.
O aumento do excedente produtivo contribuiu para a redução dos preços e oca- sionou o que seria o maior programa de redistribuição de renda no Brasil. Desde a criação da Embrapa, o valor bruto da produção agrícola nacional foi multiplicado por 5,5, enquanto a quantidade per capita de alimentos, por 2,6. De 1978 a 2005, o preço dos alimentos caiu em 75%, resultado que subsidiou todas as famílias, mesmo no período inflacionário da segunda metade dos anos 19801. De 1995 a 2022, período posterior à implantação do Plano Real, o custo da cesta básica no salário mínimo caiu de 86% para 52%2. Em parte, esse resultado esteve atrelado ao ganho de renda das famílias e ao crescimento da oferta de alimentos no mercado doméstico.
A expansão agropecuária contribuiu para a interiorização e ocupação do Brasil, incorporando o Cerrado por meio do conhecimento e da pesquisa. Em uma área de 204 milhões de hectares, esse bioma se tornou em uma das maiores fronteiras agropecuárias do mundo. Destacando-se na produção de grãos, frutas e carnes, o País é o maior exportador de açúcar, café, suco de laranja, soja, carne bovina e carne de frango, sendo também grande exportador de algodão e de milho, bem como de vários outros produtos agropecuários.
Figura 1. Expansão da fronteira agrícola no Brasil ao longo do tempo – 1970 a 2000. Fonte: Fishlow e Vieira Filho (2020).
Poucos agricultores, com um enorme progresso tecnológico, são responsáveis pelo abastecimento dos mercados interno e externo. Infelizmente, uma parcela grande dos agricultores não participa dessa aventura produtiva. O motivo é que a agricultura intensiva em tecnologia exige muito capital, recursos humanos qualificados e escala produtiva (para reduzir custos relativos). Então, os pequenos agricultores, que não têm condições de se inserir de forma competitiva, ou não se integram formalmente às ca- deias produtivas, ficam excluídos do mercado.
De 1970 a 2017, a frota de tratores cresceu mais de sete vezes. De 2006 a 2017, o número de tratores aumentou 50%. O número de máquinas para cada mil hectares cultivados saiu de 5, em 1970, para mais de 17, a partir de 2017. Simultaneamente ao crescimento da frota, há o aumento da potência, que era em média 77 cavalos, em 1970, ultrapassando os 100 cavalos, em 2017. Tratores mais potentes são capazes de produzir em áreas cada vez maiores. Quanto maior a escala produtiva, melhores são os preços de venda e menores são os custos produtivos, já que se tem maior barganha entre os fornecedores e melhor acesso a mercados mais exigentes. O resultado é o aumento da rentabilidade do produtor.
No geral, propriedades de tamanho médio e grande, com adequada escala produtiva, possuem maior lucratividade, melhor nível de modernização e elevada produtividade (Vieira Filho; Gasques, 2020). Consequentemente, possuem melhor perspectiva em relação à sustentabilidade produtiva do negócio. Em 2017, 9% dos estabelecimentos mais ricos responderam por 85% da produção; enquanto 91% dos estabelecimentos mais pobres foram responsáveis por apenas 15% da produção.
As tendências demográficas apresentam dois padrões. De um lado, constata-se o envelhecimento da população de agricultores nos países onde a atividade rural é importante, como Brasil, Estados Unidos, Austrália, etc. De outro, observa-se uma redução da população ocupada nesses países. No Brasil, essa queda é observada desde a década de 2000. A população ocupada no Brasil é de 14 milhões de pessoas no campo, sendo que metade desse contingente se encontra no Nordeste. O grande desafio é o de repensar o desenvolvimento econômico dessa região, já que se observam os mais baixos índices de produtividade, os menores rendimentos monetários, a presença do trabalho não remunerado, bem como a concentração de pequenas propriedades.
O sucesso dos ganhos de produção no setor agropecuário brasileiro foi influenciado pelos investimentos em ciência e tecnologia, o que auxiliou o crescimento da produtividade. Essa expansão contribuiu para ofertar alimentos a preços mais baratos e para abastecer diferentes mercados, seja dentro do País, ou mesmo para o exterior. Além da redução do preço dos alimentos, é preciso exportar o excedente aos mercados que possam comprar os produtos a preços mais favoráveis, assim como inserir o Nordeste na dinâmica produtiva. Não temos dúvidas de que o modelo de pesquisa adotado no Brasil ajuda a vencer tais desafios e, por isso, nossa economia chama tanta atenção de nossos competidores.
A barreira imposta à produção nos anos 1970 foi transposta via incorporação de tecnologia, e não pelo caminho da reforma agrária. A adoção e a difusão de tecnologias foram essenciais nessa dinâmica. Contudo, deve-se destacar também o ambiente de livre mercado construído pelo Brasil. Isso quer dizer que, se não fosse o ambiente competitivo, os agricultores não seriam capazes de buscar as melhores tecnologias no mercado. Ao contrário do passado, quando a agricultura era taxada para subsidiar o desenvolvimento da indústria, o setor agropecuário foi pouco subsidiado e o seu excedente foi voltado para atender a mercados mais atraentes, justamente aqueles que remuneram melhor os fatores produtivos.
O Brasil conseguiu sair da condição de importador líquido de alimentos para se tornar um grande exportador. Foi possível adentrar em mercados fechados e com ele- vadas barreiras à entrada. Daqui em diante, o desenvolvimento do setor agropecuário, que já caminha com as próprias pernas, puxará o crescimento do setor industrial e do restante da economia nacional. Porém, será preciso que as condições macroeconômi- cas sejam favoráveis ao investimento privado. Qualquer retrocesso nesse sentido, como taxar exportações, poderá inviabilizar a trajetória já alcançada. Portanto, cabe também à Embrapa se mostrar atenta ao debate econômico, que pode influenciar, não somente o ambiente institucional de pesquisa, como a competitividade setorial conquistada.