Núcleo existente desde 2018 estimula turismo em torno de cafeterias. Até 2021, segmento deve movimentar R$ 4,7 bilhões no país, segundo BSCA.
Café da Alta Mogiana mobiliza turismo em cafeterias de Franca, SP — Foto: Ana Cláudia Ferreira de Oliveira/ Arquivo pessoal
Ana Cláudia Ferreira de Oliveira era enfermeira em São Paulo quando há sete anos decidiu se mudar para Franca (SP) para se dedicar a uma paixão antiga. Foi assim que a empresária de 38 anos abriu uma cafeteria com o objetivo de difundir uma cultura até então pouco difundida de consumo de cafés especiais.
Com grãos selecionados de um produtor com fazendas em Ribeirão Corrente (SP), Patrocínio Paulista (SP) e Cristais Paulista (SP), na chamada região da Alta Mogiana, ela oferece aos clientes diferentes experiências de degustação, ao preço de R$ 5,50 a R$ 16,90 por xícara, a depender do método utilizado, de expresso e coador a prensa francesa e sifão.Por vislumbrarem na bebida uma forma de estimular o turismo da cidade, ela e outros oito empresários há um ano fundaram com a Associação do Comércio e Indústria de Franca (Acifranca) um núcleo que incentiva o turismo em torno dos estabelecimentos que servem cafés especiais.
Produção de café especial na Fazenda Santo Antônio, em São José da Bela Vista — Foto: Divulgação/ AMSC
Um mercado que, segundo uma pesquisa do grupo ligado à Acifranca, tem muito ainda a ser explorado. A sondagem apontou que 87,2% dos consumidores de Franca tomam café, 75% deles mais de uma vez por dia, mas apenas 10,6% o fazem em cafeterias, com um gasto médio individual de R$ 20,00.
Em âmbito nacional, onde estima-se que em torno de 30% da produção é voltada para esse segmento, o consumo de cafés especiais movimentou em 2018 em torno de R$ 2,6 bilhões, com um crescimento de 23%, o que pode chegar a R$ 4,7 bilhões em 2021, segundo projeções da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA).
Uma demanda que segue uma tendência parecida com a procura por cervejas artesanais e vinhos, afirma Gabriel Borges da Silva, gestor da Alta Mogiana Specialty Coffee (AMSC), entidade fundada há 14 anos com a finalidade de promover os cafés especiais produzidos na região.
“O café commodity é como se fosse como um outro grão, você tem uma padronização. Café especial não. Ele tem nuances diferentes de sabores”, diz.Segundo a AMSC, a Alta Mogiana responde hoje por 50% da produção de café no Estado de São Paulo. Tida como uma das principais produtoras de grãos especiais do país, ao lado do Cerrado Mineiro, Sul de Minas e Sul do Espírito Santo, a área abrange 23 municípios – 15 paulistas, entre os quais Altinópolis, Batatais, e Pedregulho, e oito mineiros, tais como Claraval, Ibiraci e São Sebastião do Paraíso – e atrai compradores estrangeiros, principalmente do Japão.
A empresária Ana Cláudia Ferreira de Oliveira, que aposta em carta de cafés especiais para atrair clientes em Franca (SP) — Foto: Ana Cláudia Ferreira de Oliveira/ Arquivo pessoal
O que os japoneses já conhecem e os brasileiros têm buscado cada vez mais é uma qualidade que pode surpreender os paladares mais exigentes. Encorpado, com acidez média e notas que vão de pêssego a chocolate, o café da Alta Mogiana já foi listado entre os dez melhores do país por dois anos consecutivos na Cup of Excelence Brazil, um dos principais concursos de qualidade para café do mundo.
“As características sensoriais principais são cafés de muita doçura, que lembram chocolate, caramelos e nozes, algumas notas com frutas amarelas”, explica Silva.
Essa complexidade é facilitada por condições geoclimáticas, como as altitudes acima dos 800 metros dos municípios e a terra roxa repleta de nutrientes, mas somente obtida por produtores cuidadosos e atentos, do plantio à secagem, da colheita à torrefação. O trabalho resulta em um produto mais caro – o quilo pode chegar a R$ 200 na região -, mas cada vez mais consumido.
“Às vezes, ele [o produtor] está produzindo um café especial e não sabe. O segundo passo é ele começar a segmentar a produção”, afirma o gestor da AMSC.
Fazenda Santo Antônio, produtora de cafés especiais na região da Alta Mogiana — Foto: Divulgação/ AMSC
Segundo a BSCA, com base em um estudo da Euromonitor, os brasileiros beberam em 2018 o equivalente a 705 mil sacas de cafés especiais, o que representa apenas 3% do total do país, mas que já é 19,1% superior na comparação com 2017. Até 2021, a entidade projeta um crescimento anual de 15,7%, com um consumo esperado de mais de 1 milhão de sacas.
“Até 2010 a gente não tinha 30 produtores associados. Depois desse período a gente triplicou esse número de produtores que têm interesse em cafés especiais, porque o mercado está demandando cada vez mais”, diz Silva.
Mercado em potencial
Em Franca, os empresários perceberam a abertura do mercado e começaram a articular as primeiras ações de marketing. A primeira delas foi o lançamento de um cartão “infidelidade”, em os consumidores ganham um voucher de R$ 30,00 se visitarem todas as nove cafeterias associadas.
O trabalho, que também passa por melhorias em práticas de gestão, deve ser estendido para outras datas do comércio como Dia das Mães, Doa dos Namorados e Dia dos Pais.
“Outra meta é fazer eventos de degustação. Quando a gente faz esse evento de degustação, o principal assunto é a diferença entre o café de combate e o café especial. O café de combate tem gosto mais forte, porque é torrado mais pra esconder as imperfeições. O café especial é mais suave, não precisa torrar mais que o outro”, afirma Jaiber Alexandre da Silva, gestor do programa Empreender da Acif, responsável pelo núcleo de cafeterias.
Segundo Ana Cláudia, a iniciativa tem se apresentado eficaz, com um faturamento 5% superior em janeiro, quando quase 800 clientes visitaram sua cafeteria.
“A gente vem de um ano muito difícil, 2018 foi muito difícil pra todo mundo. Quando o grupo se uniu, a gente percebeu que todo mundo estava com dificuldade de faturamento e fez algumas atividades pra tentar melhorar. Surtiu efeito, mas acho que é uma caminhada longa”, afirma.
Café especial servido na prensa francesa em cafeteria de Franca (SP) — Foto: Ana Cláudia Ferreira de Oliveira/ Arquivo pessoal
Para ela, cativar o consumidor local é a prioridade inicial. “O primeiro passo vai ser atrair esses clientes para a degustação. Não aquele cliente que está acostumado, mas aquele que quer conhecer, que quer entender um pouco mais, para mostrar a ele o que é café especial.”
O gestor da AMSC, que tem se envolvido em treinamentos com o núcleo de Franca, imagina, no futuro, um turismo envolvendo também as fazendas da região.
Hoje, são pelo menos 90 – de um total de 2,5 mil propriedades associadas à Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas (Cocapec) – produzindo grãos especiais.
“Tem muito a ser trabalhado aqui na região, principalmente o turismo rural, que não é só ir à cafeteria, mas visitar uma fazenda produtora, conhecer o processo e tomar um café especial.”