Região já foi responsável pela maior produção do Brasil do século 19, mas foi perdendo importância diante de quebras de safras, que só agora são retomadas
Cultura responsável pelo desenvolvimento do Estado de São Paulo, mas que nas últimas décadas recuou muito em relação aos “tempos dos barões”, o café volta ao radar de produtores do Oeste Paulista. Dessa vez, a aposta é em duas variedades da espécie canéfora: conilon e robusta.
As duas variedades já são tradicionalmente produzidas em grande escala no Espírito Santo, Sul da Bahia, Rondônia e Acre. No entanto, após disparada dos preços – que atualmente se equiparam ao café arábica, tradicionalmente plantado em São Paulo e Minas Gerais -, bem como o aumento do interesse nos tipos para a produção de blends para cafés gourmets, famílias que tinham desistido do grão estão prontas para a retomada.
Talles Gabriel Martins da Conceição, sucessor da quarta geração de uma família de cafeicultores, é um dos jovens produtores empolgados com a sua primeira safra de café a ser colhida em 2025 em uma área de apenas meio hectare, em Pindorama (SP), município de cerca de 17 mil habitantes.
Juntamente com seu pai, Marcos Antônio, e o avô Armênio, de 81 anos, a família cuida de 1.500 plantas de conilon e de arábica.
“O plantio de café está no sangue”, diz Talles. Porém, a família ficou por 20 anos sem cultivar sequer uma planta, depois de uma quebra de safra causada por pragas. A retomada aconteceu há oito meses, com um redesenho da área para plantar os pés de café conforme a assistência técnica que receberam de profissionais da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), de Campinas, órgão ligado ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
É a Cati que está à frente de uma divulgação e distribuição de mudas de café por algumas regiões do Estado, entre elas o oeste e o noroeste.
Herdeiros da cultura do café
Os produtores que retomam o projeto de plantio de café são ‘herdeiros’ de uma tradição que vem do século 19. A cultura acabou se perdendo na região ao longo das décadas, pois se achava que a pobreza do solo, o clima e a altitude desfavorável não permitiriam o desenvolvimento adequado do grão, gerando queda de volume e de qualidade.
Como o planto está ressurgindo recentemente, com alguns produtores, que tentam incentivar outros vizinhos, ainda não há um número preciso do número de cafeicultores que estão apostando na cultura.
Segundo o site da prefeitura de Pindorama, por exemplo, existem 4 mil metros quadrados dedicados à cafeicultura no município que, em 1926, vivia da economia cafeeira. Se depender de Talles e seu pai, a partir do próximo ano, além de haver números oficiais, os índices terão um salto.
“Foi devido à família sempre ser da cultura de café e meu pai gostar, ter nascido debaixo de um pé da planta, que decidi embarcar nessa”, destacou o mais jovem cafeicultor dos Martins da Conceição.
O pai completa a frase do filho: “além disso, café dá para guardar, fruta não”. Eles estão otimistas com a produtividade, embora não arrisquem um número de sacas por hectare. Pai e filho acreditam que o plantio de café, em especial o canéfora, pode trazer rentabilidade a pequenos produtores da região, pois o cenário do município é de pequenas áreas com uma altitude de 590 metros, “boa para conilon e mínima para o arábica”, arremata Marcos Antônio.
Área pequena, produtividade rentável
A cena de produção do grão é retomada com pequenos produtores, em áreas onde o plantio é adensado, isto é, os pés são plantados bem próximos um do outro, sem espaçamento tradicional de 40 a 60 cm entre talhões. A técnica é para aproveitar o espaço, produzindo mais.
Na propriedade da família de Talles, o próximo passo é investir em irrigação para conseguir ter um controle da absorção de água diante de um clima mais instável. Para ele e o pai, os investimentos vão sendo feitos com cautela e contam com auxílio de empresas ligadas à tecnologia que pode ser aplicada no cafezal.
A fazenda é uma das ‘vitrines’ do Projeto Canéfora São Paulo, coordenado pela secretaria de agricultura estadual com o objetivo de estimular o plantio de conilon e robusta em outros municípios agrícolas que, no passado, tinham DNA cafeeiro. Outra cidade dessa lista é Tabapuã, que está a aproximadamente 27 quilômetros de Pindorama.
Com pouco mais de 12 mil habitantes, Tabapuã já foi um parque cafeeiro. Porém, segundo o Censo Agropecuário de 2017, mapeou apenas cinco propriedades dedicadas ao café arábica distribuídos em apenas seis hectares. A informação de seis anos atrás é a última divulgada oficialmente até agora.
Sai a cana, entra o café
Em Tabapuã, um grupo de empresários do agro está apostando na troca das culturas de citros e cana-de-açúcar pelo café canéfora. O projeto começou com uma pressão de agricultores para ter um respaldo público e privado para investir no plantio do grão.
Desde outubro de 2023, o grupo está em contato com representantes da Indústria Colombo, especializada em maquinários para grãos, para retomar a produção de café. A empresa também participa do projeto estadual como representante da iniciativa privada.
Horácio Costa, empresário do setor, é um dos produtores que está tentando “dar um arranque” no plantio do grão há quatro anos e, agora, se anima com a possibilidade de ver a iniciativa sair do papel.
A sua relação com o café também vem da família, que nos anos 1900 chegou a Tabapuã para plantar o grão. “Meus familiares chegaram a ter mais de um milhão de pés de cafés na época, sendo um dos maiores produtores da região na época. Hoje, nós temos 80 hectares”, diz.
Costa recorre às memórias do pai, que sempre falava em café, para traçar a jornada que o fez encabeçar o projeto de retomar a produção em Tabapuã. Ele já plantou citros, mas com a crise da laranja causada por preços ruins e doenças na região, como o greening, acabou arrendando as terras para usinas de cana-de-açúcar. Foi por meio das pesquisas que se convenceu a voltar com o café.
“Pareceu ser uma oportunidade de negócio não perecível e com potencial de armazenar”, justifica. Outra meta que o motivou a lançar-se na cafeicultura foi o potencial de renda em pequenas áreas. “Queríamos uma cultura que gerasse renda para que ele tivesse condição de viver da terra, e não simplesmente arrendar a uma usina de cana-de-açúcar, por exemplo”, relata.
Ele menciona a cana como uma cultura muito forte durante décadas na região, mas que deixou de ser rentável para agricultores de pequeno e médio porte. “Hoje, um alqueire de cana bem arrendado gera R$ 12 mil ao ano, algo muito insignificante. E o café, que viemos pesquisando há anos, dará mais de 100 sacas por hectare, um negócio surreal”.
O produtor lembra que as laranjas produzidas no local possuíam alta qualidade. “Atraía todas as indústrias do Estado de São Paulo para pegar um pouco da fruta para fazer o blend de seus sucos. Isso mostra as características positivas do solo que podem ser aproveitadas.”
Estímulo ao plantio de canéfora
A Indústria Colombo decidiu encampar a ideia e investir em desenvolvimento de maquinários – em especial para pequenos e médios produtores – específicos para a colheita do café, aproveitando o lançamento do projeto estadual.
“O projeto Canéfora SP tem um potencial muito grande para contribuir com o avanço da agricultura paulista e gerará muitos resultados. E o papel da Colombo não é só oferecer equipamento [específico], mas desenvolver a comunidade onde o café estará inserido”, afirmou Neto Colombo, diretor de operações da companhia.
O programa foi lançado no final de outubro, em um evento realizado no Instituto Biológico do Estado de São Paulo, escolhido simbolicamente por ser conhecido como o principal cafezal urbano da América Latina. A viabilidade econômica do projeto foi assegurada pela Secretaria de Agricultura paulista e por entidades de pesquisa, que vêm desenvolvendo testes com as plantas de conilon e robusta.