Diante da repercussão internacional das declarações do presidente Jair Bolsonaro, bem como de suas publicações nas redes sociais e de suas trapalhadas no governo, é lógico imaginar que ele tenha uma cota expressiva de responsabilidade na retração dos investimentos feitos por estrangeiros no mercado financeiro do País.
Decorridos quase nove meses de governo, os dados sobre o saldo dos aportes externos na Bolsa de Valores, hoje impulsionada pelos investidores locais, que buscam alternativas aos juros baixos da renda fixa, são preocupantes. Até 18 de setembro, o resultado acumulado no ano estava negativo em R$ 22,4 bilhões, excluídas as ofertas de ações realizadas no período, de cerca de R$ 25 bilhões. Trata-se do pior saldo desde 2008, no auge da crise global, o que alimenta incertezas sobre a real disposição dos estrangeiros de investir no mercado de capitais brasileiro, em meio às turbulências causadas pela retórica agressiva de Bolsonaro.
Mas, embora as falas e o vaivém do presidente tenham o seu peso na equação, não é isso o que mais está influenciando os saques dos investidores externos agora, de acordo com os cientistas políticos e executivos de grandes bancos ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, para avaliar a percepção dos estrangeiros em relação ao Brasil.
Front externo
“Tuíte de presidente virou normal. Os estrangeiros aprenderam a lidar com o (primeiro-ministro) Boris Johnson, na Inglaterra, e com o (Donald) Trump, nos Estados Unidos”, diz Christian Egan, diretor executivo de Tesouraria e Mercados Globais do Itaú Unibanco. “Então, o que a gente vê no Brasil talvez não seja tão impactante para os investidores externos quanto se imagine que seja.”
A avaliação de Egan reflete, de certa forma, uma visão que parece predominar no mercado. “Esse pessoal é pragmático e racional. Não liga muito para o mérito do que o Bolsonaro disse ou deixou de dizer”, afirma o cientista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, uma empresa de consultoria sediada em Brasília.”Essa retórica belicosa não é o principal motivo de os gringos não estarem vindo para o Brasil”, diz o cientista político Christopher Garman, responsável pela área de Américas da Eurasia, consultoria internacional de avaliação de risco.
A julgar pelo que eles dizem, parece também haver certo consenso em relação aos principais motivos que levaram os investidores externos a se afastar do Brasil nos últimos meses.
No front externo, o mais evidente é a guerra comercial entre Estados Unidos e China, que afeta a taxa de crescimento mundial e turbina a aversão ao risco. Há também uma tensão crescente em razão do desaquecimento da economia em vários países, como Alemanha, China e até os Estados Unidos, que está levando a uma saída das bolsas em mercados emergentes. “O mundo vem desacelerando. Talvez isso não estivesse na conta um ano atrás”, afirma Egan. “Não que estivesse fora do radar, mas não estava precificado na magnitude em que vem acontecendo em 2019.”
Agenda prioritária
No front interno, o que está “pegando” para os chamados investidores de portfólio é a lenta retomada da economia – em 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer apenas 0,9%, pouco abaixo do índice de 1,1% do ano passado, segundo o boletim Focus, do Banco Central (BC).
Embora os investidores externos reconheçam o avanço com a aprovação da reforma da Previdência e a importância de outras reformas que estão em pauta, como a tributária e a administrativa, a percepção é de que seus efeitos terão impacto mais na questão da produtividade, no médio e longo prazos, do que no desempenho da economia no curto prazo.
“Os investidores veem que está havendo controle de gastos, que a reforma da Previdência vai ajudar o gasto obrigatório a cair no longo prazo, mas sabem que isso não ajuda muito agora”, diz Tony Volpon, economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC.
De acordo com Lucas de Aragão, a falta de clareza sobre a agenda prioritária do País e a indefinição sobre quem irá fazê-la avançar – o presidente, o Congresso ou o ministro da Economia, Paulo Guedes – também influenciam negativamente a percepção dos investidores externos. “Talvez isso deixe o investidor estrangeiro mais confuso do que os incidentes diplomáticos decorrentes do comportamento do Bolsonaro.”
Meio ambiente
Se as falas de Bolsonaro têm impacto reduzido para os investidores externos, o mesmo não acontece em relação ao desmatamento e às queimadas na Amazônia. Segundo Volpon, vários fundos que têm o respeito ao meio ambiente em seus estatutos, especialmente na Europa, estão sofrendo pressão dos cotistas para olhar o Brasil com mais cuidado. “Se houver uma percepção de que o Brasil está tendo uma regressão na questão ambiental, haverá um impacto sobre o volume de investimento desse tipo de fundo”, afirma.
Apesar de tudo isso, o desempenho do índice EMBI+, que reflete o grau de confiança do investidor externo no País, mostra que o Brasil está longe de se tornar o “patinho feio” do mercado global. O indicador, calculado pelo banco JP Morgan, aponta que o risco Brasil está em 225 pontos, 18% abaixo do patamar de dezembro. “O Brasil está fazendo a lição de casa numa hora muito importante”, diz Egan, do Itaú.
Há sinais positivos também na arena da produção. De acordo com o Banco Central, o investimento estrangeiro direto chegou a US$ 45 bilhões de janeiro a julho, valor que supera os saques na Bolsa, contra US$ 38,4 bilhões no mesmo período de 2018. “Do ponto de vista do custo, olhando só o câmbio, está barato comprar ativos no Brasil”, afirma Tony Volpon.
Mesmo no caso dos investimentos em Bolsa, as perspectivas para 2020 parecem promissoras. O megainvestidor americano Ray Dalio, fundador da Bridgewater, gestora de um dos maiores fundos de hedge do mundo, aposta que a Bolsa brasileira será um dos destaques globais. “Considerando que os preços já incorporaram um desconto pelos equívocos do governo e pela fraqueza da economia, há um espaço considerável para os ativos brasileiros surpreenderem”, diz um relatório produzido pela empresa para a clientela.
Fonte: Estadão Conteúdo