25.5 C
Franca
novembro 25, 2024
Gestão RuralPecuária

Amido em dietas de vacas recém-paridas

O período pós-parto de vacas leiteiras é um período de elevada demanda energética para produção de leite na lactação que se inicia, aliado a reduzida capacidade de ingestão alimentar nesta fase. Isto gera um balanço energético negativo, levando a mobilização de tecido adiposo e muscular, com consequente perda de peso e de condição corporal. Práticas nutricionais que visam atenuar esse balanço energético negativo são constantemente buscadas nas fazendas, tendo em vista que a literatura é clara em mostrar que a lipomobilização excessiva traz consequências negativas à produção, saúde e reprodução de vacas leiteiras.

Dentre as estratégias possíveis para incrementar a densidade energética das dietas está o aumento na proporção de carboidratos não estruturais. Elevar o teor de amido é facilmente alcançado pelos nutricionistas, proporcionando maior ingestão de calorias por kg de matéria seca (MS) ingerido. Mas será que a estratégia de elevar o teor de amido na dieta, ou de usar fontes mais fermentáveis de amido como o milho ensilado úmido, pode de fato aumentar o consumo de energia no pós-parto? Neste artigo levantaremos alguns pontos importantes sobre tal estratégia.

Com objetivo de estudar tal estratégia nutricional no período pós-parto, Albornoz e co-autores (2018, 2019) avaliaram os efeitos de dietas no pós-parto com dois níveis de amido: alto amido (28% da MS) ou baixo amido (22% da MS), utilizando teor similar de FDN forragem em ambas as dietas, combinados com amido de rápida degradabilidade ruminal (milho ensilado úmido) ou amido de moderada degradabilidade ruminal (milho moído seco), no consumo de MS, desempenho produtivo e metabolismo.

Durante o período pós-parto, o maior aporte de amido de rápida fermentação diminuiu o consumo de MS (Tabela 1), sendo que esse efeito foi mais pronunciado nas dietas com maior inclusão de amido (-3,9 kg/dia), que nas dietas com baixo amido (-0,9 kg/dia), resultando na redução de 52,9 kg de consumo de MS em comparação com dietas de menor fermentabilidade do amido ao longo dos primeiros 23 dias pós-parto.

Mas de que forma isso ocorre? Sabe-se que o propionato é o principal ácido graxo de cadeia curta produzido na fermentação ruminal do amido, e este possui efeito lipofágico no metabolismo, ou seja, reduz o consumo quando produzido em grandes quantidades num curto período de tempo. Isso porque ao chegar no fígado, esse metabólito pode ser transformado em glicose ou gerar energia, ATP, aumentando o status energético dentro dos hepatócitos.

O centro da saciedade, localizado no sistema nervoso central é capaz de perceber (através de sinalizadores químicos) quando uma grande quantidade de energia é produzida no fígado, gerando um feedback negativo na ingestão de alimentos. Tal efeito é parte da Teoria da Oxidação Hepática (HOT), descrita por Allen e colaboradores (2009), teoria essa que propõe a existência de uma regulação química na ingestão de MS, além da regulação física já conhecida há muito tempo.

Tabela 1. Efeitos do nível e da fermentabilidade do amido na dieta de vacas pós-parto sob o consumo, desempenho produtivo e metabolismo (até 23 dias após o parto).

Outro ponto importante que vale salientar é que no processo de confecção do grão úmido, que envolve um período de fermentação anaeróbica no silo, aumenta a disponibilidade e aproveitamento do amido no ambiente ruminal devido a desnaturação da matriz proteica que envolve os grânulos de amido, produzindo de modo mais rápido e em algumas situações em maior quantidade por kg de amido, precursores de glicose como o propionato.

No experimento citado acima, dietas que disponibilizaram uma maior proporção de amido de alta fermentabilidade, e por consequência um aporte maior e mais rápido de propionato, induziram à saciedade de modo mais rápido, reduzindo a ingestão de MS. Pensando em vacas no período de transição, especificamente vacas após o parto que possuem alta demanda energética porém com limitado consumo de MS, a perda de ingestão associada a dietas de maiores proporções de amido de alta fermentabilidade, leva a acreditar que esta não é uma boa estratégia neste período específico.

Ainda utilizando a Teoria da Oxidação Hepática, uma vaca recém-parida comumente apresenta algum grau de mobilização de gordura corporal, e portanto, uma grande entrada de combustíveis energéticos no tecido hepático, tanto pela absorção dos produtos da fermentação, quando pela gordura mobilizada que adentra o fígado (Oba e Allen, 2003). Quando tais combustíveis oriundos da mobilização alcançam o parênquima hepático, parte destes será oxidado e irá gerar uma grande quantidade de ATP, mudando o status energético das células para um “teórico cenário positivo” de energia. Associada a este perfil metabólico, dietas de alta fermentabilidade ruminal do amido, podem em sinergia causar uma grande depressão de consumo, uma vez que ambos (dieta e mobilização de reservas corporais), de modo rápido, induziram à saciedade.

Como consequência da redução de consumo, a produção de leite diária foi reduzida em 4,3 kg/dia (P=0,02) e a produção acumulada nos primeiros 23 dias pós-parto em 60,2 kg (P=0,08). Da mesma forma houve decréscimo na produção em kg de gordura, proteína e lactose, embora o teor destes no leite não tenha sido reduzido.

Os autores avaliaram ainda os efeitos residuais das dietas pós-parto, obtendo a produção de leite dos animais submetidos a dietas semelhantes após os 23 dias de lactação. Não houve diferença na produção de leite no período residual para os diferentes teores de amido e processamento do milho nas dietas experimentais. No entanto os autores notaram que os grupos que possuíam maiores níveis de β-hidroxibutirato (BHB) durante os primeiros 23 dias (dieta de alto amido sendo a fonte de amido o milho seco e a dieta de baixo amido com a fonte de amido o grão úmido), produziram mais leite no período residual, corroborando com outros estudos como o de Piantoni et al. (2015), onde animais mais produtivos normalmente apresentam um grau de mobilização lipídica ligeiramente maior que animais de menor desempenho.

Os dados de produção e percentual de ácidos graxos produzidos no leite estão representados na Tabela 2. Da mesma forma que os tratamentos não alteraram a porcentagem de gordura no leite (P>0,05), as porcentagens de ácidos graxos também não foram alteradas. No entanto a produção por dia de ácidos graxos de novo, produzidos na glândula mamária, foi reduzida com a inclusão de milho ensilado úmido na dieta e o mesmo efeito ocorreu com a produção de ácidos graxos de origem mista (C16:0, C16:1 cis-9 e iso-C16:0).

A inclusão de fontes mais fermentáveis de amido na dieta pode induzir a depressão da síntese de gordura no leite devido à queda do pH ruminal por intermédio de um produto incompleto da biohidrogenação de ácidos graxos insaturados no rúmen, o CLA trans-10, cis-12 (Harvatine et al., 2009). No entanto a similaridade nas concentrações e produções do C18:1 trans-11 (ácido graxo indicativo de completa biohidrogenação ruminal), aliadas com a falta de resposta aos tratamentos para o CLA trans-10, cis-12 sugerem que não houve esse efeito no presente estudo. E que a diminuição na produção diária de ácidos graxos de novo e mistos provém da diminuição da produção diária de gordura do leite e consequentemente da gordura do leite, em resposta à queda do consumo de MS.

Podemos concluir que a inclusão de fontes mais fermentáveis de amido na dieta de vacas recém-paridas se mostra como uma estratégia pouco efetiva de driblar o balanço energético negativo, e pode inclusive diminuir o consumo de matéria seca, efeito completamente indesejável neste período.

Ao formular dietas específicas para vacas recém-paridas, ou até mesmo ao escolher um lote na fazenda para alojar tais animais, é importante cuidado com os níveis de amido fermentescíveis na dieta, onde aparentemente um nível moderado tanto de amido, como de sua degradabilidade devem ser buscados para maximizar a ingestão.

Com a crescente e desejável expansão do milho grão úmido e milho reidratado nas dietas de vacas leiteiras brasileiras, esta ressalva deve ser conhecida e salientada.

Nosso Grupo do Leite da UFPR continua recomendando que na impossibilidade de formular dietas específicas para vacas recém-paridas, é mais aceitável fornecer a estas vacas a dieta das vacas de alta produção do que a dieta das vacas de baixa produção. Fornecer a dieta das vacas de baixa produção às recém-paridas é uma prática demasiadamente conservadora, pois esta dieta está muito aquém das exigências de vacas “novas” no leite, em particular de proteína metabolizável e de aminoácidos essenciais. Muitos ainda recomendam acomodar as vacas recém-paridas nos lotes de baixa produção, como precaução de acidose e deslocamento de abomaso, mas reiteramos que isto não é correto.

Por outro lado, há uma primeira limitação na recomendação de fornecer a dieta das vacas de alta, pois há tempo se reconhece que vacas recém-paridas têm exigências de fibra fisicamente efetiva mais altas do que as vacas de alta produção.

Fonte: MilkPoint

Related posts

EMATER-MG faz levantamento das agroindústrias familiares de minas gerais

Fabrício Guimarães

EMPREENDEDOR PRODUZ CAFÉ COM OS MESMOS BENEFÍCIOS DO VINHO TINTO

Fabrício Guimarães

Manejo nutricional estratégico reduz perdas na seca.

Fabrício Guimarães

Deixe um comentário

Usamos cookies para melhorar sua experiência no site. Aceitar Leia Mais