Está em discussão uma proposta de Regulamento Técnico do Café Torrado do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA (Portaria nº 364 de 22 de julho de 2021), que visa instituir regras para fiscalização do café torrado no país. A Instrução Normativa será submetida à audiência pública nacional prevista para 10 de março, em Brasília.
Pela norma será definido o padrão oficial de classificação, com os requisitos de identidade e qualidade, a amostragem, o modo de apresentação e a marcação ou rotulagem. Também define que é café torrado aquele café que foi submetido a tratamento térmico adequado até atingir o ponto de torra desejado, podendo se apresentar em grãos ou moído. Destaca que a classificação do café torrado é estabelecida em função dos seus requisitos de identidade e qualidade e será classificado em grupos e tipos.
Os representantes do setor como poder público, da indústria, do setor produtivo e dos consumidores, estiveram reunidos nesta quarta-feira (16), em São Paulo. Foram manifestações e painéis que discutiram o assunto, de forma híbrida.
Opiniões
A superintendente federal de Agricultura de São Paulo, Andréa Figueiredo Procópio de Moura, disse que a norma tem que ser construída para o benefício de todos e deve, necessariamente, favorecer o consumidor.
O diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) do Mapa, Glauco Bertoldo, destacou que o padrão de classificação do café traz muitos benefícios para o país. “A grande maioria dos produtores e dos industriais atua corretamente, mas existem pontos fora da curva que precisam ser corrigidos”, falou. Ele lembrou que a norma prevê também a certificação para atender o mercado externo. “Mercados de fora dão muito valor à certificação oficial, como a China, por aspectos de qualidade e segurança. Esse diálogo é muito importante, todos terão que ceder em um ponto ou outro em prol do país”, disse Bertoldo.
O coordenador-geral de Qualidade Vegetal do Dipov, Hugo Caruso, apresentou um histórico da regulamentação do café, citando a lei 9.972, de 2000, que até hoje regula o setor. Segundo ele, o Mapa tem 81 padrões estabelecidos para produtos de origem vegetal. “Tiramos azeites fraudados do mercado porque temos padrões. Nenhum padrão oficial inviabilizou a indústria, pelo contrário, ele é tido como diferencial”, explicou.
Caruso disse ainda que as empresas podem usar seus programas de controle de qualidade para essa classificação. Basta que se credenciem no Mapa e participem da capacitação oferecida regularmente pelo ministério. “Uma associação, como a própria Abic (Associação Brasileira da Indústria do Café), pode fazer esse controle. Ela pode se credenciar para fazer o controle das empresas. Para isso a norma cria o serviço de controle autorizado.”
Dagmar Oswaldo Cupaiolo, presidente do Sindicato da Indústria do Café no Estado de São Paulo e vice-presidente da Fiesp. Ele falou do ambiente favorável ao diálogo e ao conhecimento e lembrou que o objetivo de todos é defender os interesses do Brasil.
Consumidores
O promotor de Justiça Maximiliano Ribeiro Deliberador, do Paraná, apresentou a visão do consumidor, pois atua na defesa dos interesses desse ator da cadeia. Ele disse que está na promotoria há 15 anos e tem recebido demandas do café, mas nem sempre pode atuar por falta de norma. “O Ministério Público demanda essa norma do Mapa. O que fazemos hoje tem mais ou menos 20 anos de atraso”, afirmou.
De acordo com o promotor, essa falta de padrões de classificação traz prejuízo aos órgãos públicos, que não conseguem fiscalizar; aos consumidores, que ficam sem informações sobre o produto; e ao próprio setor, que compete com produtos de baixa qualidade. “O café é o produto mais consumido pela população brasileira, é inadmissível não ter norma.” De acordo com dados apresentados no seminário, o consumo doméstico é de 6 quilos por habitante/ano.
Produção e indústria
A indústria de torrefação e representantes dos produtores também participaram do evento. Celírio Inácio da Silva, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), disse que a maior preocupação da indústria há quase 50 anos é a valorização da qualidade e o combate à fraude. “Em 1989, quando o selo Abic de pureza foi implementado, mais de 30% das marcas burlavam a legislação. Hoje o cenário mudou e marcas impuras diminuíram”, disse.
O diretor disse que a Abic investe mais de R$ 2 milhões por ano atualmente no monitoramento da qualidade, além de aplicar cerca de R$ 20 milhões nos últimos anos em ações de marketing para conscientizar e educar o consumidor. Ele reconhece o problema regulatório apontado pelo Ministério Público, apontando a falta de uma ferramenta legal para combater fraude, evitar prejuízos ao consumidor e concorrência desleal.
A preocupação do Conselho Nacional do Café (CNC), manifestada pelo seu presidente Silas Brasileiro, seria um eventual impacto para pequenas e médias empresas. Ele defende uma renda digna dos produtores.
Maciel Silva, coordenador de produção agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse que a experiência da iniciativa privada deve ser aproveitada, mas a presença do Estado é necessária. “A norma para o café torrado premia quem faz corretamente. Nossa sugestão é que a Abic participe do processo. Defendemos o autocontrole, mas precisamos de parâmetros legais que sejam cumpridos e hoje o café não tem”.