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novembro 25, 2024
Pecuária

Tudo o que você precisa saber sobre leite A2

E, de uma hora pra outra, só se fala nisso. Um tema que até pouco mais de um ano era quase desconhecido entre produtores e até entre os técnicos do setor passa a ser questão de ordem. Todo mundo quer dar sua opinião, e é aí que mora o perigo.

O leite A2, que, ao contrário do que muitos pensam, não é uma invenção brasileira, pode ser um produto de nicho, capaz de agregar valor ao artigo que mais sofre pressão do mercado – o leite fluido. Mas, se não for comunicado de forma adequada, também pode ser um “tiro no pé” de um setor que já sofre tanto com a desvalorização e os ataques de uma parte da sociedade. Por isso, temos que usar a informação correta como nossa maior ferramenta de conquista do consumidor, lembrando sempre que a nutrição é uma ciência, não um ponto de vista. 

PRA NÃO CONFUNDIR NUNCA MAIS
Mesmo existindo muita informação sobre o assunto, muitas pessoas, inclusive profissionais da área da saúde e do meio científi co, confundem a intolerância à lactose com a APLV (alergia à proteína do leite). Isso ocorre porque ambas são causadas pelo mesmo alimento, o leite, e também porque podem apresentar alguns sintomas semelhantes, como cólicas e diarreia. Mas, definitivamente, são quadros completamente diferentes! 

INTOLERÂNCIA À LACTOSE
A lactose, comumente conhecida como açúcar do leite, é um carboidrato composto por uma molécula de glicose e uma de galactose, formado pelas glândulas mamárias dos mamíferos.

Ela está presente no leite para fornecer energia ao neonato e é a mesma encontrada no leite de vaca, no leite materno humano e no de todos os outros mamíferos. Por ser um carboidrato, e não uma proteína, não há nenhuma possibilidade de alguém desenvolver “alergia à lactose”. 

A intolerância ocorre quando o organismo não está apto a digerir a lactose por causa da ausência total ou parcial da enzima específica para este fim, a lactase, que é uma enzima produzida pelas células intestinais que consegue quebrar a lactose em glicose e galactose.

Quando a lactose não é digerida, ela atinge o intestino grosso intacta e é fermentada pelas bactérias que existem nele. Quando a quantidade de lactose que atinge esse órgão é muito alta, ocorre um excesso de produção de ácidos graxos de cadeia curta, ácido lático e gases. Esses compostos são os grandes causadores dos sintomas clínicos, sendo os mais comuns: flatulência, dor e distensões abdominais. O ácido lático, produzido com a lactose não digerida, aumenta a osmolaridade no lúmen intestinal, sequestrando líquido e causando diarreia.

Os sintomas sistêmicos mais comuns são dores de cabeça e tontura, mas podem ser observados perda de concentração, problemas com memória de curto prazo, dor muscular e da articulação, cansaço, arritmia cardíaca, úlceras orais, dor de garganta e aumento da frequência de micção. 

A intolerância à lactose é mais comum em adultos, e vale lembrar que a lactase é uma enzima substrato dependente. Ou seja, sua produção é dependente da quantidade de lactose consumida. Este é o grande perigo dos modismos que pregam a retirada da lactose da dieta: criar indivíduos artifi cialmente intolerantes. Essa também é a razão pela qual os indivíduos intolerantes não devem cortar completamente a lactose de suas dietas. O diagnóstico de intolerância à lactose deve ser feito por meio de testes laboratoriais, solicitados por médico ou nutricionista. 

APLV (ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA)
A APLV é definida como uma reação imunológica adversa à proteína presente no leite de vaca. É a alergia alimentar mais comum na infância e, às vezes, precede o desenvolvimento de alergias a outros alimentos, particularmente ovo e amendoim.

A alergia pode aparecer desde o período neonatal ou durante o primeiro ano de vida. As estimativas da prevalência de APLV variam de 2% a 7,5% entre crianças até 3 anos. A persistência na idade adulta é incomum. Em geral, 50% dos casos se resolvem até os 2 anos de vida, e 80% deles, entre os 3 e 4 anos.

Na maior parte das vezes, a alergia é causada pela β-lactoglobulina, pela α-lactalbumina e pela caseína, sendo a primeira a principal. Entretanto, a maioria das pessoas que têm APLV são alérgicas a mais de uma proteína.

Leite de outros mamíferos, como cabras e ovelhas, são tão antigênicos quanto o de vaca. Estudos mostram que 90% das crianças alérgicas à proteína do leite de vaca também apresentam uma reação alérgica aos leites de cabra e ovelha, não havendo nenhuma vantagem em seu uso como preventivo de APLV.

Crianças com APLV apresentam, normalmente, mais de um sintoma. Os mais comuns são: erupções cutâneas (50-70%), sintomas gastrointestinais (50-60%) e sintomas respiratórios (20-30%).

O diagnóstico de APLV deve ser feito por meio de testes laboratoriais, solicitados por médico alergista. 

FALANDO UM POUCO MAIS SOBRE PROTEÍNAS
O leite é uma incrível ferramenta evolutiva dos mamíferos. Ele é secretado pela glândula mamária, e sua principal função é fornecer nutrientes indispensáveis para o desenvolvimento da cria. Sua composição é, no caso dos bovinos, de
87% de água e 13% de sólidos. Estes são divididos em: proteínas totais (3,3% a 3,5%), gordura (3,5% a 3,8%), lactose (4,9%), minerais (0,7%) e vitaminas.

O leite de vaca contém entre 3% a 3,5% de proteína. Essa composição depende, principalmente, da raça e da dieta dos animais. De forma geral, a proteína do leite é dividida em duas frações, a caseína, que representa, em média, 80% da proteína do leite, e as proteínas do soro, que compõem os outros 20%. A composição das proteínas do leite e seus diferentes tipos estão descritos na tabela a seguir.

gráfico leite a2.png (37 KB)

A TAL DA CASEÍNA
A caseína tem uma composição de aminoácidos muito equilibrada, que inclui todos os nove aminoácidos essenciais, fornecendo um importante substrato para o crescimento e o desenvolvimento de crianças e jovens. Essa proteína de alta qualidade, presente no leite de vaca, é uma das principais razões pelas quais esse alimento é tão importante. 

Além da função nutricional, a caseína é o meio pelo qual é possível disponibilizar ao neonato grande quantidade de cálcio, pois é essencial para que este possa passar pelo epitélio mamário sem provocar problemas de calcificação.

A β-caseína compõe, aproximadamente, 30% da proteína total do leite de vaca, e os tipos mais comuns encontrados nos bovinos são A1 e A2. 

MAS, AFINAL, O QUE É LEITE A2?
De forma simples, essa pergunta pode ser respondida da seguinte forma: o leite A2 é aquele que possui apenas a β-caseína A2. Agora, se isso não deixou a questão ainda muito clara, vamos nos aprofundar no assunto.

O interesse pelo leite A2 começou na Nova Zelândia, na década de 1990, quando médicos identificaram uma diferença na fração de caseína e resolveram investigar.

SE LIGA: Por ser um carboidrato e não uma proteína, não há nenhuma possibilidade de alguém desenvolver “alergia à lactose”

A β-caseína do leite de vaca possui 209 aminoácidos, sendo que as variações A1 e A2 diferem apenas por um aminoácido na posição 67 [como é possível observar na figura a seguir]. Todas as fêmeas de espécies mamíferas, entre elas as humanas, as cabras, as búfalas, as éguas e as camelas, produzem apenas a β-caseína A2, mas, por causa de uma mutação genética que ocorreu há aproximadamente 10 mil anos, algumas vacas passaram a produzir a β-caseína A1. Por esse motivo, a β-caseína A2 é chamada de caseína “natural”.

Essa pequena mudança pode parecer inofensiva, mas é sufi ciente para alterar a digestão da molécula e levar a outras consequências. Quando as enzimas digestivas interagem com a molécula de β-caseína A1, ela é quebrada, justamente, na posição 67, liberando um peptídeo de sete aminoácidos, o BCM-7. A presença de prolina, em vez de histidina, na variante A2, evita a hidrólise da ligação peptídica entre os resíduos 66a e 67a na β-caseína A2 e inibe a produção de BCM-7.

Tem sido mostrado que a caseína e seus derivados, particularmente a BCM-7, exercem uma variedade de efeitos sobre a função gastrintestinal, incluindo a redução da frequência e amplitude das contrações intestinais e o aumento da secreção de muco. Dada a complexidade desses efeitos, é razoável esperar que os sintomas expostos variem muito entre os indivíduos.

A2A2
Nem todas as vacas produzem os dois tipos de caseína. Na verdade, existem três genótipos possíveis: o genótipo A1A1 determina que o animal produza apenas a β-caseína A1; vacas com o genótipo A2A2 produzem somente o tipo A2; e
vacas com o genótipo A1A2 produzem os dois tipos. O tipo de β-caseína produzido é totalmente dependente da genética de cada animal [como ilustrado na fi gura da próxima página], e os mesmos genes também podem estar presentes
nos touros reprodutores.


Como o leite vendido no supermercado é proveniente de vários animais, ele possui um pouco de cada um dos dois tipos de caseína. Além da diferença na digestão, alguns estudos encontraram relação positiva entre a presença do alelo para
caseína A2 e a produção de leite e proteína.

diferença no aminoácido.png (53 KB)

Essa relação precisa ser mais investigada, mas pode indicar que o leite A2 não está ligado somente à digestão humana, mas também à produtividade animal.

QUEM PODE SE BENEFICIAR DO CONSUMO DE LEITE A2
Muitas pessoas acreditam ter intolerância à lactose, pois se sentem mal, com digestão difícil e produção de gases após a ingestão de leite. Entretanto, segundo o National Institutes of Health, nos EUA, a maioria da população não tem qualquer
problema com a digestão da lactose nem possui alergia à proteína do leite. 

A intolerância à lactose, segundo pesquisas de epidemiologia, afeta apenas cerca de 5% da população mundial. No entanto, aproximadamente 20% das pessoas relatam algum desconforto após a ingestão de leite. Esses sintomas são, provavelmente, causados pela BCM-7, oriunda da digestão da β-caseína A1.

Em um importante estudo, os pesquisadores relataram que o consumo de leite A2 provocou melhora em crianças que tinham reclamação de constipação após o consumo de leite comum.

Em um teste clínico, o consumo de leite A1 foi relacionado com maior infl amação do intestino, dores abdominais e distensão abdominal. Essas relações não foram observadas nas pessoas que receberam leite A2.

As pesquisas mais recentes, apesar de saberem que a intolerância à lactose e o consumo de leite A1 são coisas distintas, levantam a hipótese de haver uma interação entre as duas condições. Existem vários mecanismos pelos quais isso pode ocorrer. A primeira possibilidade é que as características inflamatórias da BCM-7 podem afetar negativamente a produção e a atividade da enzima lactase e, possivelmente, exacerbar os sintomas da intolerância à lactose em indivíduos suscetíveis.

A segunda é a de que a infl amação do cólon afeta a fermentação da lactose que não foi digerida, possivelmente através de mudanças na microbiota que ocorrem com a infl amação do intestino. Uma terceira possibilidade é a de que o trânsito gastrintestinal é retardado, aumentando a chance de a lactose e outros carboidratos da dieta serem fermentados.

diferença no aminoácido2.png (57 KB)

Essas hipóteses são consistentes com os sintomas gastrointestinais relacionados à má absorção da lactose. No entanto, nenhuma delas foi testada cientificamente.

Um estudo com indivíduos chineses, com alta taxa de intolerância à lactose, mostrou que o consumo de leite contendo β-caseína A1 foi associado a aumento dos sintomas gastrointestinais, concentrações mais altas de marcadores de inflamação, tempo de trânsito intestinal mais longo e quantidades inferiores de ácidos graxos de cadeia curta. Os ácidos graxos de cadeia curta são produzidos pela microbiota intestinal, possuem efeito anti-infl amatório e aumentam a atividade de algumas células da mucosa do intestino. Os resultados fornecem evidências de que o consumo de leite que contém β-caseína A1 pode afetar adversamente a função gastrintestinal e que sua exclusão pode aliviar esses sintomas. Aqui, vale um parênteses: são necessárias mais pesquisas para comprovar que o leite A2 é capaz de reduzir os sintomas de pessoas com comprovada intolerância à lactose. Por isso, até que esses resultados sejam apresentados, o leite A2 não deve ser recomendado para esses indivíduos. 

DANDO NOME AOS BOIS E TAMBÉM ÀS VACAS
Alguns levantamentos mostram que a frequência do alelo que determina a produção da β-caseína do tipo A2 é menor nas raças taurinas de bovinos. Isso indica que a mutação que originou a β-caseína A1 ocorreu nos animais dessas raças, provavelmente em algum lugar na Europa. Na população de animais da raça Holandês, a frequência do alelo A2 varia de 24% a 62%. Isso difi culta, mas não impossibilita o processo de seleção genética de animais homozigotos A2.

Os levantamentos realizados nas raças zebuínas, todavia, indicam que a frequência do A2 é bem maior. Um levantamento feito no Rio Grande do Sul encontrou uma frequência do alelo A2 de 50% nos animais da raça Holandês e de 92% no Gir.

Em outro estudo brasileiro, a frequência de alelo A2 em animais da raça Guzerá foi de 97%, e 93% apresentaram o genótipo A2A2. No Gir, a frequência do alelo A2 foi de 98%, e 96% dos animais apresentaram o genótipo A2A2. Esses resultados revelam o potencial genético das raças zebuínas para a produção de leite A2.


A HORA DA VERDADE
O teste de genotipagem, feito em uma amostra de material biológico (sangue ou folículo piloso), é a forma mais eficiente de determinar o genótipo para β-caseína do animal. No laboratório, o DNA é extraído, e o marcador genético para essa característica é pesquisado. O resultado desse teste pode ser um dos três possíveis genótipos: A1A1, A1A2 ou A2A2. Apenas animais A2A2 produzem exclusivamente β-caseína A2. 

No Brasil há alguns laboratórios que fazem esse teste, a um custo que varia de R$ 35 a R$ 65 por animal.

OUTRO PONTO QUE MERECE MUITA ATENÇÃO É A “HIPOALERGENICIDADE” ASSOCIADA AO LEITE A2, QUE SÓ PODE SER CONSUMIDO POR CRIANÇAS COM APLV SE ESTAS FOREM ALÉRGICAS ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE À -CASEÍNA A1. VALE LEMBRAR QUE A MAIOR PARTE DAS ALERGIAS É MISTA, OU SEJA, ENVOLVE MAIS DE UM TIPO DE PROTEÍNA. COMO A APLV É UMA DOENÇA SÉRIA, QUE PODE CAUSAR A MORTE, NUNCA DEVEMOS FAZER MARKETING RELACIONADO À HIPOALERGENICIDADE. 

PELO MUNDO
A maior parte do leite vendido no mundo contém os dois tipos de caseína, A1 e A2. A β-caseína A1 é o tipo mais comum encontrado no leite das vacas de raças europeias, animais que produzem a maior parte do leite nos Estados Unidos, no Canadá, no Europa, na Austrália e na Nova Zelândia.

No Brasil, cerca de 80% do leite produzido é derivado de animais mestiços, predominantemente oriundos do cruzamento entre Gir e Holandês.

Todavia, não existe nenhum estudo que indique a prevalência do alelo A1 nesses animais. Todavia, não existe nenhum estudo que indique a prevalência do alelo A1 nesses animais.

O único levantamento existente sobre a composição dos tipos de caseína no leite vendido no varejo é do Reino Unido, que encontrou de 40% a 50% da β-caseína A1 e de 43% a 52% de β-caseína A2.


1/2 HORIZONTAL
A maior empresa que comercializa leite A2 no mundo se chama A2 Milk Company, fundada em 2000, na Nova Zelândia. Atualmente, sua sede é na Austrália, mas ela atua também nos mercados da Nova Zelândia, do Reino Unido, dos EUA e da China,
comercializando leite fl uido, iogurte, leite em pó, sorvete e fórmulas infantis.

No Reino Unido, apenas alguns rebanhos na ilha de Guernsey são produtores de leite A2. As empresas que planejam as ações nesse mercado dizem que é difícil satisfazer a demanda. Rod Farmer Kent, de Berkshire, é um dos produtores que estão testando o seu rebanho para se tornarem um produtor de leite A2. Ele disse à BBC: “Todo leite é bom para você, mas se o A2 é bom para um pequeno segmento da população, deixe-o ter uma escolha”.

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