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setembro 10, 2025
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Principal fator para a tarifa de 50% é a presença da China na América do Sul, afirma Marcos Jank.

Fonte: Café Point

Produtores ouvidos pelo CaféPoint estão cancelando envios; especialistas aconselham pressão em conjunto com empresários norte-americanos para reverter a medida.

A decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre o café brasileiro representou um duro golpe para o setor, reduzindo a competitividade do produto nacional em seu principal mercado consumidor. Nos primeiros sete meses de 2025, o país foi o principal destino dos grãos brasileiros, com a importação de 3,713 milhões de sacas. Mas, desde 6 de agosto, data em que a medida entrou em vigor, produtores brasileiros e importadores estadunidenses têm sentido seus impactos.

“Ficou um clima bem desconfortável entre a nossa exportadora e o comprador. Tivemos que remarcar três vezes o booking”, relata Daniele Alkmin, da Agrorigem – The Coffee Id, na Mantiqueira de Minas. Em entrevista ao CaféPoint, a produtora conta que, depois de tentar remarcar três vezes o envio, achou melhor cancelar o pedido. “Ele [o importador] tentou renegociar comigo para eu pagar 25% da tarifa, só que é completamente inviável para nós absorvermos isso. E ele também não conseguiu repassar para os seus clientes”. 

Na ponta final, os Estados Unidos também sentem os impactos da taxação. O café brasileiro representa cerca de 30% do consumo no país e sua ausência pode gerar instabilidade e aumento de preços nas gôndolas. “76% da população americana toma café. A participação nos lares é superior a qualquer outro tipo de bebida, como água engarrafada, sucos, refrigerantes. O café reina com uma liderança absoluta na população norte-americana”, explica Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). 

“Essa tarifa de 50% é, sem dúvida, uma tarifa política. Político-ideológica, até podemos dizer”, opina Marcos Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global. Para ele, pelo lado comercial, não há razões para a implementação da medida, uma vez que os Estados Unidos têm um superávit com o Brasil. Além disso, segundo ele, sempre houve uma boa relação comercial entre os dois países, com a presença de empresas e investimentos cruzados.

Jank acredita que o principal fator para a implementação da tarifa é a presença da China na América do Sul. “Essa presença ficou muito clara depois da reunião do BRICS, onde se falou sobre desdolarização, moeda única, cooperação técnica, aquisição de equipamentos. Essas coisas acabaram levando a colocação do Brasil na lista, com 50%”, justifica o especialista, que lembra que, além do Brasil, outro país atingido pelas tarifas, por razões semelhantes, é a Índia.

“Nosso importador está passando aperto, porque os cafés das outras origens estão caríssimos e não está tendo o café do Brasil para continuar colocando dentro do padrão que ele costumava atender os clientes. Muito triste esse cenário”, lamenta Daniele. “Ainda estamos conseguindo lidar melhor porque a gente consegue reposicionar esse café. Agora para ele, como importador americano, está um desafio violento”, comenta.

Sobre este desafio, o diretor-geral do Cecafé comenta que o mercado estadunidense já está acostumado com as características de corpo, acidez e doçura do café brasileiro, além do alto volume entregue para a produção de blends de marcas tradicionais e de pequenas torrefações. “A penetração do café nos lares vem crescendo ano a ano, conforme detecta a National Coffee Association. Nós passamos de 66% dos lares, há cinco anos, para 76% atualmente. Então há um trabalho de prosperidade econômica”, destaca Matos.

Se o Brasil é insubstituível do ponto de vista de produção e exportação, os Estados Unidos são insubstituíveis do ponto de vista do consumo. “É o maior consumidor global, com 25.5 milhões de sacas”, alerta Matos, que também menciona que, há duas semanas, o café estava cotado entre 2,70 e 2,80 nas bolsas internacionais e agora já ultrapassa os 3,60. “Nós tivemos uma alta abrupta por várias razões: pelas dificuldades de produção, principalmente de arábica, por conta de questões climáticas, e pelo tarifaço dos Estados Unidos, que desequilibra todo esse mercado”.

Além dos problemas contratuais, as exportações brasileiras podem sofrer impactos a longo prazo devido à concorrência de outros países produtores, como o Vietnã. “Na Ásia, de uma maneira geral, praticamente todos os países que são produtores têm acordos comerciais com tarifa zero. Então, se você tem um acordo de negócio de tarifa zero com a China, com países consumidores como Filipinas, Malásia e Singapura, você tem uma capacidade de competição muito grande”, destaca Aguinaldo Lima, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics). 

Segundo maior produtor de café do mundo, o Vietnã já vem apresentando um papel significativo nas importações da União Europeia, com quem tem um acordo de tarifa zero há dois anos. “Não são nem brechas deixadas pelo Brasil, na verdade são espaços que o Brasil deixa de ocupar. E o Vietnã, numa política bastante agressiva de acordos comerciais, para não perder venda, compra cafés de outros países que são concorrentes, como o Brasil, para completar e ganhar espaço no mercado internacional”, comenta Lima.

Os dados econômicos de impacto ao consumidor norte-americano têm sido um dos principais argumentos do Cecafé nas tentativas de reverter a medida governamental. No Brasil, a entidade tem trabalhado com o governo brasileiro no comitê interministerial de negociação, liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Nos Estados Unidos, tem atuado ao lado da National Coffee Association, de empresas torrefadoras e de redes de cafeterias locais na construção de narrativas e na circulação de dados corretos. “Estamos mostrando que o Brasil é fundamental para manter os preços sob controle, resultando em um maior consumo da bebida e mais empregos nos Estados Unidos”, afirma Matos.

Jank acredita que, através da pressão em conjunto com empresários norte-americanos, assim como fez o setor brasileiro da laranja – que conseguiu excluir o suco de laranja da lista no final de julho –,  é possível também retirar o café do tarifaço. “Essa chance existe no café porque ele não é produzido nos Estados Unidos”, explica. “Esse argumento de que o tarifaço serve para reindustrializar os Estados Unidos com setores que perderam espaço não vale para o café, porque eles nunca serão produtores e dependem de café importado, que precisa também vir do Brasil. Não dá para vir só da América Central, da Colômbia, da África ou de outros lugares”, argumenta.

Na tentativa de driblar a situação, Daniele está reposicionando suas vendas para outros mercados consumidores. “Como é café especial, de 85 pontos, eu estou direcionando principalmente para Dubai e Austrália, que são mercados abertos pra gente. A Noruega também tem potencial para dar certo”, aponta.

A situação, de acordo com o especialista do Insper, pode ser encarada como uma oportunidade para construção de relacionamento com empresários americanos que dependem do café, além da abertura de mercados em países que ainda são emergentes. “Países em geral que estão reduzindo o espaço do chá, por exemplo na Ásia, e estão entrando mais no café. Eu acho que essa é uma estratégia muito importante para o setor neste momento”. 

Já para Lima, o Brasil precisa ser mais agressivo nos acordos comerciais, investindo em tradeoff, onde as duas partes se completam. “O Brasil precisa ter uma postura diplomática muito mais agressiva. A gente tem fechado alguns acordos, mas nós poderíamos estar fechando muito mais”, afirma. “O Brasil, de uma maneira geral, e aí não é só o solúvel, só conseguirá conquistar mais mercados se realmente houver acordos internacionais de redução de tarifa. Porque o Brasil é um país que aplica muitas tarifas de importação, e isso tira a nossa competitividade”.

Na prática, a tarifa do governo de Donald Trump não penaliza apenas o exportador brasileiro, mas também encarece a xícara do consumidor norte-americano. Ao buscar alternativas em outros países, os importadores estadunidenses podem se deparar com limitações de oferta, o que evidencia o peso estratégico do Brasil no abastecimento global de café.

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