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novembro 25, 2024
Agricultura

Cafés especiais da Chapada de Minas ganham o mundo

Conheça as histórias dos pioneiros que chegaram à região do Vale do Jequitinhonha há 40 anos

Há 40 anos um grupo de cafeicultores do Paraná, desanimados com geadas que devastaram suas lavouras, migrou para o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Os produtores foram atraídos pelo valor baixo das terras, ausência de geadas, grande amplitude térmica e, especialmente, pelos financiamentos facilitados do Banco do Brasil que visavam desenvolver a região marcada pela pobreza.

Atualmente, a região de 22 municípios no Vale do Jequitinhonha conhecida pela marca coletiva “Chapada de Minas” tem cerca de 5.800 produtores de café do tipo arábica, que empregam 20 mil pessoas direta e indiretamente. Localizada entre os rios Doce, Mucuri e Jequitinhonha, a área tem solo rico em minerais, altitude de até 1.200 metros, clima úmido e temperaturas agradáveis.

A região, que se tornou referência de café de qualidade no país e no exterior, investe em tecnologia e trabalha para ter o registro de Indicação Geográfica (IG) que já foi concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) a outras seis regiões mineiras produtoras de café: Cerrado, Matas de Minas, Vertente Minas, Mantiqueira de Minas, Sudoeste de Minas e Canastra.

A produção anual média é de 600 mil sacas de 60 quilos e a área plantada atinge 30 mil hectares. O café e o eucalipto, que chegou primeiro à região e ocupa 300 mil hectares, são os motores do desenvolvimento econômico.

Julian Rodrigues, analista técnico do Sebrae na Chapada de Minas, conta que a quebra de uma cooperativa de cafeicultores em 2012 desanimou muitos produtores, mas a aposta nos cafés especiais e na sustentabilidade da produção, assim como a criação do Instituto do Café da Chapada de Minas (ICCM) em 2019, revolucionaram o cenário da cafeicultura na região.

A Chapada de Minas se tornou referência de café de qualidade no país e no exterior — Foto: Divulgação
A Chapada de Minas se tornou referência de café de qualidade no país e no exterior — Foto: Divulgação

Pioneiros

“Quando chegamos aqui, só tinha mato. Fomos chamados de doidos por querer plantar café nessas terras de solo muito pobre. Investimos muito em correção e adubação do solo e começamos o plantio com muitos desafios. Só não faltava mão-de-obra”, conta um dos pioneiros, o descendente de japoneses Claudio Nakamura, que planta 60 hectares de café, sendo 10 hectares irrigados.

Nakamura, filho de cafeicultores do Paraná, migrou para o Vale do Jequitinhonha em 1986. Ele diz que na época a fertilidade do solo era muito baixa, faltava chuva e até dez anos atrás a produtividade era menor do que a da lavoura da família que ficou no Paraná. O investimento na produção de café de qualidade, aproveitando o terroir da região, e na sustentabilidade foram a chave da virada.

“Com irrigação, adoção de tecnologias no plantio, colheita e pós-colheita, a produtividade aumentou, investimos mais na produção de cafés especiais e agregamos valor”, diz o agricultor que tem certificação da lavoura, acaba de comprar uma colhedora de R$ 900 mil para suprir a escassez de mão-de-obra, abriu uma torrefação na própria fazenda e planeja aumentar a área plantada na próxima safra.

Eder Nakamura e seu pai, Claudio Nakamura, produzem cerca de 2 mil sacas de café por ano — Foto: Sebrae Minas/Divulgação
Eder Nakamura e seu pai, Claudio Nakamura, produzem cerca de 2 mil sacas de café por ano — Foto: Sebrae Minas/Divulgação

O pioneiro produz cerca de 2.000 sacas por ano, com produtividade de 30 sacas por hectare, sendo 30% cafés especiais. A meta é chegar a 50% de cafés especiais, ou seja, grãos sem impurezas e defeitos que possuem atributos sensoriais diferenciados e alcançam pontuação superior a 80 na escala SCA, que vai até 100.

A sucessão também já está encaminhada. O engenheiro ambiental Eder Nakamura, um dos três filhos, voltou do Japão há três anos e passou a ajudar o pai nos negócios, com foco na comercialização do café.

Colhendo bons resultados

Outro pioneiro que está investindo no café na Chapada e colhendo bons resultados é Dailton Antonio Ribeiro, que migrou do sul de Minas na década de 1980 depois que um tio que era prefeito de Capelinha o convenceu a aproveitar a oportunidade de adquirir terras mais baratas na região. Ele comprou uma fazenda no município que, até então, só tinha plantio de eucalipto.

“Começamos a plantar café com temor e muitas dificuldades. Aqui era considerada uma terra de viúvas porque os maridos migravam para o corte de cana em São Paulo. Por muitos anos, ninguém acreditou na qualidade do nosso grão, mas agora o café da Chapada está sendo reconhecido em todo o país e no exterior.”

Para mecanizar a produção e fugir da falta de mão-de-obra, ele trocou a propriedade em Capelinha pela Fazenda Sagarana em Diamantina, onde tem 250 hectares de café irrigado em área totalmente plana e está plantando mais 70 hectares. A produtividade dobrou com a irrigação.

Para completar, o veterano adquiriu participação em uma torrefadora de café especial para exportação em Belo Horizonte, que é administrada pelo filho Dailton.

Alvorada

O pai de Sérgio Meirelles, cafeicultor em São Gonçalo do Sapucaí, no sul de Minas, se assustou quando o filho formado em agronomia decidiu ser fazendeiro e o convenceu a investir em terras que só tinha mato no Vale do Jequitinhonha em 1979. O plantio de café começou dois anos depois. Sérgio assumiu a Fazenda Alvorada em 1984.

Sergio Meirelles e sua filha, Raquel Meirelles, possuem uma fazenda de 233 hectares em Capelinha (MG) — Foto: Divulgação
Sergio Meirelles e sua filha, Raquel Meirelles, possuem uma fazenda de 233 hectares em Capelinha (MG) — Foto: Divulgação

“Meu pai me dizia que produtor rural tinha que ser muito apaixonado pela lavoura porque era uma profissão difícil demais. Na época, com a venda de um hectare no sul de Minas dava para comprar 40 hectares no Vale. Hoje, o valor da terra por aqui é apenas cinco vezes menor”, lembra Sérgio, que dirige a fazenda de 233 hectares em Capelinha, com 93 hectares de café, 27 hectares de eucalipto, pasto e área de reserva legal.

O produtor conta que quando o pai comprou a fazenda ninguém sabia plantar café na região. A família foi buscar, então, ajuda técnica da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que implantou campos de testes inicialmente na propriedade com 15 variedades. No total, já foram testados por lá mais de 100 variedades. Três se destacaram: Aranãs, Gueisha e Catiguá.

No início, para vender o café da região, Sérgio diz que era preciso misturar com o grão produzido no sul de Minas. “Hoje, ganhamos identidade, preço e visibilidade com a marca Chapada de Minas.”

O investimento no café especial começou com a volta para a fazenda da filha Raquel, que tinha saído para estudar aos 14 anos e morou nos Estados Unidos e Espanha. Ela conta que após se formar em administração de empresas entrou como trainee na divisão de cafés da Nestlé, se reconectou com a cultura e chegou a gerente de marketing.

“Nesse cargo, uma das minhas funções era incentivar os cafeicultores do Brasil a investirem na produção de grãos especiais. Aí, pensei que tinha que fazer a lição em casa, pedi demissão em 2021 e voltei para trabalhar na fazenda do meu pai, criando o Varietal Cafés Especiais, que tem mais de 25 variedades.”

O pai, diz ela, achava que participar de concurso era coisa de ego, mas só no primeiro ano de investimento nos cafés especiais ganhou nove concursos de qualidade. Hoje, a Alvorada produz 4.200 sacas por ano, sendo 2.000 acima de 80 pontos e 1.000 sacas acima de 85 pontos. Tem duas marcas de café e exporta diretamente para EUA, Estados Unidos, Coreia, Japão e Israel.

“Foi necessário sair do lugar em que nasci para poder valorizar o que temos. Meu foco agora é intensificar o negócio de cafés especiais e conquistar novos mercados no Brasil e no mundo. Tenho muito orgulho da Chapada de Minas, lugar onde nunca tive dificuldades por ser mulher. Acho que, como era uma região muito pobre, as mulheres tiveram que sair para trabalhar e conseguiram empoderamento no mercado”, diz Raquel, que atraiu para a fazenda também o marido, Orlando Didier, que trabalhava no mercado financeiro em São Paulo.

Ela diz que o casal ainda não alcançou a mesma renda que tinha na capital paulista, mas o potencial de crescimento do negócio é enorme.

Primavera

A Fazenda Primavera, em Angelândia, é uma pioneira sempre citada como referência por outros cafeicultores por sua tecnologia e inovações. Formada por imigrantes portugueses na década de 1970, foi comprada por um grupo que tem sócios brasileiros e o investimento de um fundo de pensão canadense e atualmente é uma das maiores produtoras de cafés de qualidade do país.

A Fazenda Primavera, em Angelândia (MG), é uma referência em tecnologia e inovações — Foto: Divulgação
A Fazenda Primavera, em Angelândia (MG), é uma referência em tecnologia e inovações — Foto: Divulgação

Em 2018, a Primavera venceu o Cup of Excellence, um dos prêmios mais importantes de cafés especiais do mundo, com um grão de pontuação 93,89. A fazenda integra o grupo GMT Farms de cinco propriedades de café, sendo três na Chapada de Minas – as outras duas ficam em Capelinha e Minas Novas. No total, em terras mineiras, cultiva 1.400 hectares de café, sendo 830 hectares irrigados, e tem planos de plantar mais 450 hectares em 2025.

Segundo o gerente geral da GMT Farms, André Aprelini, cerca de 85% da produção já está na categoria especial e 100% é rastreada. No ano passado, o grupo investiu R$ 4 milhões em processo de pós-colheita indoor e neste ano está gastando mais R$ 1,2 milhão na troca dos secadores na Primavera, que recebe e beneficia o café das três fazendas mineiras e envia em bica corrida para a comercialização em Varginha. De 60% a 70%, diz Aprelini, vai para o exterior.

Uma das fazendas que se inspirou na Primavera foi a Sequoia, também de Angelândia, que pertence desde 2015 aos irmãos Pedro, Paulo e Vicente Lima, donos da indústria cafeeira 3 Corações.

Nem só grandes e médios produtores investem no café especial na Chapada. Tarcisio Costa Barbosa, dono do sítio Marmoreio, de 6 hectares, em Água Boa, começou a plantar café na região em 1988. Incentivado a investir em qualidade, ele caprichou neste ano na produção e secagem no terreiro de parte do café e venceu o primeiro concurso de qualidade em que se inscreveu.

Tarcisio Costa Barbosa (direita) é dono do sítio Marmoreio e campeão da categoria microlote natural até 20 hectares do 3º Prêmio Chapada de Minas — Foto: Sebrae Minas/Divulgação
Tarcisio Costa Barbosa (direita) é dono do sítio Marmoreio e campeão da categoria microlote natural até 20 hectares do 3º Prêmio Chapada de Minas — Foto: Sebrae Minas/Divulgação

Além da premiação, conseguiu vender a saca de 60 quilos do microlote por R$ 4.600 em um leilão, o triplo do que recebeu pelo café commodity. Agora, está empenhando em melhorar os processos para aumentar sua renda.

Tarcísio foi o campeão da categoria microlote natural até 20 hectares do 3º Prêmio Chapada de Minas, promovido pelo Sebrae e ICCM. Também foram premiados neste concurso os cafés da Alvorada, Primavera e Sequóia.

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