Cientistas de Campinas geram mudas a partir de planta da Etiópia que tem 0,07% de teor da substância
Há 20 anos, a pesquisadora Maria Bernadete Silvarolla, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), trabalha para desenvolver um pé de café que tenha naturalmente baixíssimo teor de cafeína, desde a fase de cultivo.
Desse modo, o fruto não precisaria passar por processos químicos que reduzem seu teor da substância, mas que também podem afetar outras características, como o aroma.
Uma pesquisa como essa requer um longo período até que se chegue a uma viabilidade comercial. Diria que estamos mais ou menos no meio do caminho — disse ela ao GLOBO.
As plantas que deram origem à pesquisa são provenientes de sementes da Etiópia que foram trazidas para o Brasil em 1963. Em 1999, Bernadete começou a buscar quais poderiam ter essa característica.
Em meio a mais de 2 mil pés de café etíopes, foram encontrados, quatro anos depois, três com teor de cafeína de 0,07%.
Para se ter uma ideia: um café descafeinado tem até 0,10% do componente; um tradicional, mais de 1%.
O problema é que apenas três plantas não garantem a viabilidade comercial dessa descoberta — era preciso gerar mudas que pudessem atender às fazendas produtoras.
Por isso, em 2003, teve início o cruzamento dessas plantas de baixo teor de cafeína com as sementes de café tipo arábica que já são comercializadas.
Mas um outro problema surgiu no caminho: entre o plantio e o nascimento dos primeiros frutos são necessários seis anos. E somente após sete gerações de cruzamentos é possível dizer que a planta já tem uma uniformidade genética estabelecida — ou seja, daí em diante, não deverá mais sofrer alterações de padrão.
Outra questão é que esse café, caso tenha viabilidade comercial, terá características mais parecidas com o que é cultivado na Etiópia, ou seja, um sabor e aroma mais floral e frutado, diferente do que é cultivado no Brasil atualmente.
Longo caminho
Júlio César Mistro, um dos pesquisadores do IAC — órgão do governo paulista — acredita que, mantendo o ritmo e os procedimentos adotados atualmente, levaria quase 30 anos para se chegar a uma planta comercialmente viável.
É possível, no entanto, que esse prazo caia para 12 ou 15 anos se o método for alterado: em vez de esperar o prazo de desenvolvimento de cada geração, seria feita uma “embriogênese somática”, processo genético que reduz o número de gerações necessárias para se chegar à uniformidade da planta.
— É difícil estimar o quanto seria necessário para esse processo. Além de insumos e maquinário, é preciso também capital humano, para trabalhar no campo e no laboratório. Mas já há empresas interessadas — disse, sem detalhar como estão as negociações.
O interesse na indústria pelo desenvolvimento dessa pesquisa é grande. Afinal, o Brasil é atualmente o país em que mais se consome café no mundo — desde 2014, ultrapassou os Estados Unidos.
Cada brasileiro toma, em média, 2,3 xícaras de café ao dia, ou 839 “cafezinhos” por ano, segundo dados da consultoria Euromonitor.
Fonte: O Globo