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novembro 25, 2024
Aquicultura

Produção de peixes ainda tem baixa preocupação com bem-estar animal

Falta de legislação que regulamente boas práticas ainda é gargalo para o setor, aponta estudo

Relatório inédito lançado nesta quarta-feira (18/9) pela ONG Alianima, o “Observatório do Peixe” relata o potencial do setor de pescados no Brasil, com destaque para o crescimento da piscicultura frente à pesca. No entanto, o documento chama a atenção para a falta de legislação que regulamente as boas práticas em todas as etapas de indústria do pescado no país.

Caroline Maia, especialista em peixes da Alianima, aponta que entre os principais obstáculos para difusão das boas práticas na produção de pescado está a dificuldade no reconhecimento dos peixes como animais que sentem e sofrem. “Essa identificação é observada com muito mais facilidade para espécies animais que apresentam mais similaridade aos humanos. Como os peixes não têm expressões faciais e vivem em um ambiente tão diferente, por exemplo, há um distanciamento. O impacto disso e que esses animais acabam sendo negligenciados como indivíduos capazes de sentir ou sofrer”, diz.

De acordo com a especialista, o lançamento do estudo deve ajudar a fomentar a discussão em todos os elos da cadeira produtiva para criar compromissos de bem-estar junto aos produtores, varejistas e atacadistas. “Acreditamos que, em um cenário ainda sem respaldo legislativo, é importante a união de todos os agentes do setor, tanto para atuação no cenário de políticas públicas quanto para a conscientização dos produtores e consumidores”, afirma a especialista.

Cenário da produção de pescado

O estudo da Alianima ressalta que em 2022, pela primeira vez na história, a produção de animais aquáticos na aquicultura superou a pesca, atingindo um total de 94,4 milhões de toneladas, o que representa 51% do total mundial — com uma estimativa global de 46,3% de crescimento até 2030. No Brasil, a produção de peixes em piscicultura atingiu quase 890 mil toneladas em 2023, o que significa um crescimento de 3,1% em relação ao ano anterior, sendo o consumo per capita de 4,35 quilos.

No entanto, de acordo com levantamento da instituição, “ao mesmo tempo em que os números da aquicultura brasileira representam o potencial econômico desse setor, eles servem de alerta para as necessidades de ajustes para que a produção se torne mais sustentável e responsável, do ponto de vista do bem-estar dos animais”.

Para a Alianima, a falta de legislação específica sobre o bem-estar dos peixes é um gargalo a ser enfrentado rumo à produção mais sustentável. O relatório da instituição destaca que o Brasil, assim como muitos países, ainda não possui regulamentações específicas que garantam a proteção desses animais na produção e na pesca. “A Portaria 365/2021 do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), que regulamenta o manejo pré-abate e abate humanitário, exclui os peixes, deixando-os desprotegidos sob a norma”, aponta Caroline Maia, especialista em peixes da Alianima.

Para evitar altos níveis de estresse e sofrimento dos peixes, pesquisadores da Alianima elencaram diversos fatores que devem ser foco de atenção dos produtores. Cada um desses pontos será abordado abaixo, com respectivas orientações. São eles: qualidade da água, alimentação dos peixes, densidade da população dos viveiros, enriquecimento ambiental, insensibilização para o abate, manejo e transporte.

Caroline Maia, especialista em peixes da ONG Alianima — Foto: Arquivo pessoal
Caroline Maia, especialista em peixes da ONG Alianima — Foto: Arquivo pessoal

Qualidade da água

“A qualidade da água, essencial para a saúde dos peixes, muitas vezes não recebe a devida atenção”, afirma Caroline. Nos sistemas de produção, a manutenção de parâmetros da água como oxigênio dissolvido, pH e temperatura dentro dos níveis ideais para a espécie é fundamental para evitar estresse, doenças e mortalidade. Embora essa já seja uma preocupação comum dos produtores, o relatório aponta que esses parâmetros nem sempre são rigorosamente controlados e monitorados, o que compromete o bem-estar dos animais e a produtividade.

De acordo com Eliane Gonçalves de Freitas, bióloga e professora em comportamento animal na Universidade Estadual Paulista (Unesp), as atividades aquícolas dependem de água de alta qualidade. “O que vemos hoje é um aumento alarmante da poluição dos rios e mares, além da escassez de água doce, provocada principalmente pelo desmatamento desenfreado. Nesse contexto, a degradação ambiental constitui uma grande ameaça ao bem-estar dos peixes”, afirma.

Alimentação

Segundo o relatório, práticas inadequadas, como o fornecimento excessivo de ração com antibióticos, podem não apenas prejudicar o bem-estar dos peixes, mas também propiciar o surgimento de superbactérias prejudiciais à saúde.

Leonardo José Gil Barcellos, médico-veterinário e professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), lembra que a prevenção de doenças é um dos princípios básicos para a utilização racional dos antimicrobianos.

“Peixes em alto grau de bem-estar têm seu sistema imunológico mais funcional, o que propicia a diminuição da ocorrência de doenças, levando a uma menor necessidade de utilização de medicamentos, como os antibióticos. Isso auxilia na contenção da resistência antimicrobiana. O poder das boas práticas para prevenir as doenças deve orientar o desenvolvimento sustentável da aquicultura nos próximos anos”, ressalta Barcellos.

Estocagem

A questão do espaço e da densidade de estocagem também é abordada no relatório. O texto destaca que as superlotações nas fazendas de produção podem gerar estresse e até mortalidade. Como solução, o documento sugere que os produtores ajustem essas densidades conforme as necessidades biológicas das espécies criadas, respeitando seus comportamentos naturais e estágios de vida.

Enriquecimento ambiental

A técnica que visa tornar o ambiente de criação mais estimulante para os peixes consiste na adição de elementos que estimulem comportamentos naturais das espécies, como substratos e estruturas para refúgio. A prática pode reduzir comportamentos anormais e melhorar o bem-estar desses animais, segundo especialistas. Segundo o “Observatório do Peixe”, a prática está em estágio inicial na produção brasileira.

Insensibilização e abate

De acordo com o relatório, métodos inadequados, como a asfixia em gelo, ainda são amplamente utilizados no Brasil, causando grande sofrimento aos animais. A Alianima defende o uso de técnicas cientificamente validadas, como a insensibilização elétrica ou mecânica seguida pela decapitação ou sangria dos peixes, que garantem um processo de abate imediato e efetivo, minimizando a dor e o estresse.

Também há desafios no manejo e transporte dos peixes. “Esses procedimentos devem ser realizados pelo menor tempo possível e com o mínimo de estresse, além de envolverem o uso de técnicas como a anestesia prévia, que pode ser fundamental para reduzir o sofrimento dos peixes durante o processo”, destaca Caroline Maia.

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