A vaca do futuro deixa baixa pegada de carbono e se adapta a extremos de calor e umidade.
O último Sumário de Touros do Programa de Melhoramento Genético do Girolando (PMGG) traz a PTA (sigla em inglês que significa capacidade de transmissão prevista para os descendentes) da característica ligada à tolerância ao estresse térmico. Essa foi a grande novidade de 2022 da avaliação genética da raça, coordenada pela Embrapa Gado de Leite em parceria com a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando.
De acordo com a Embrapa, a inclusão dessa PTA no sumário foi feita com base nos resultados obtidos por meio de um minucioso estudo, considerando 650 mil controles leiteiros, de mais de 69 mil vacas e, aproximadamente, 21 mil animais genotipados, ao longo de uma década em todo o país.
Estudos recentes mostram também que, entre 2000 e 2020, bovinos da raça girolando emitiram 39% menos de metano por quilograma de leite. A produção desse alimento, no mesmo período, aumentou 60%. Esses dados, aliados ao conforto térmico apresentado por aqueles animais e ao seu histórico de melhoramento genético, apontam a raça como promissora para o enfrentamento das mudanças climáticas e a redução de gases de efeito estufa.
Os melhoristas explicam que o ótimo desempenho da raça para tolerância ao calor, mantendo a produtividade elevada, resulta do cruzamento do Gir Leiteiro com a raça Holandesa. O primeiro, de origem indiana (Bos indicus), soma séculos de seleção natural para suportar o clima tropical. E, desde 1985, o Programa de Melhoramento Genético do Gir Leiteiro, também coordenado pela Embrapa, intensificou a seleção para características de produção, de reprodução e de adaptabilidade.
Já a raça holandesa, de origem européia (Bos taurus), foi selecionada tendo como objetivo a alta produção de leite. A soma de ambas as características por meio do cruzamento deu origem ao girolando, reconhecida pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) como raça sintética nacional, desde 1996.
O conforto térmico do girolando chama a atenção dos produtores das regiões tropicais, que têm de lidar com extremos de calor e de umidade em períodos do ano devido às mudanças climáticas.
“Podemos observar a superioridade dos animais girolando para tolerância ao estresse térmico, uma vez que a diferença pode chegar a 10 °C quando comparamos os limites extremos de tolerância ao calor”, diz Renata Negri, doutora em Zootecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bolsista da Associação Brasileira dos Criadores de Girolando.
Segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Marcos Vinicius Gualberto Barbosa da Silva, o conforto térmico é significativo nos sistemas de produção a pasto em clima tropical, como é o caso do Brasil.
“As vacas girolando, comparadas às Holandesas, tendem a ter melhores desempenhos produtivo e reprodutivo, apesar do aumento da temperatura e da umidade. Dessa forma, a raça contribui para que a oferta de matéria-prima para os laticínios seja mais estável, independentemente da estação do ano e das condições climáticas”, observa o pesquisador.
Quando as vacas estão em estresse térmico, podem deixar de produzir em média 1 mil kg de leite, considerando uma lactação de 305 dias. Em casos de estresse térmico severo, as perdas, ainda segundo Silva, superaram os 2 mil kg de leite por lactação. “Esses valores são muito expressivos, pois uma vaca pode deixar de produzir até 34% do seu potencial em uma única lactação, o que faz da PTA da tolerância ao estresse provocado pelo calor uma opção importante para o produtor.”
Pegada de carbono
É quase um consenso no meio científico de que as mudanças climáticas exigem a transição do atual modelo de produção para sistemas sustentáveis eficientes, com menor impacto ambiental. “O agronegócio é considerado por muitos como o vilão na emissão de gases de efeito estufa, o que é um problema para o Brasil que tem no setor agropecuário sua vocação econômica”, diz Silva.
Dessa forma, para atender aos requisitos propostos na COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – 2021), quanto à redução das emissões de gases de efeito estufa, será necessária uma resposta rápida do setor agropecuário. Para Negri, o intenso processo de melhoramento que a raça girolando tem passado nas últimas décadas será fundamental para essa resposta.
“A pecuária pode contribuir significativamente para reduzir as emissões de carbono e promover sistemas sustentáveis em curto, médio e longo prazos, com o uso de animais mais resilientes, eficientes e adaptados às mudanças climáticas”, diz a zootecnista.
Estudos recentes realizados pela Embrapa Gado de Leite comprovam que, ao longo de 20 anos (2000 a 2020), houve aumento de 60% na produção de leite de bovinos da raça girolando e os animais apresentaram redução de 39% na emissão de metano por quilograma de leite produzido.
“Utilizar animais selecionados geneticamente para uma melhor adaptação ao clima, com o predomínio do regime alimentar a pasto, contribui de forma efetiva para reduzir a pegada de carbono da atividade”, argumenta Luiz Gustavo Pereira, pesquisador daquele centro de pesquisa.
“É essencial que o animal seja eficiente em produção sob qualquer adversidade e, consequentemente, reduza a intensidade de emissão de metano por quilograma de leite produzido, promovendo ganho ambiental”, completa Negri. No contexto das mudanças climáticas, pode se aplicar à raça girolando o conceito de “vaca do futuro”.
Melhoramento genético projetando a vaca do futuro
O teste de progênie da raça girolando foi iniciado em 1997, como resultado de uma parceria da Girolando com a Embrapa Gado de Leite. Em 2007, foi implantado o Programa de Melhoramento Genético do Girolando, o que permitiu a interação com os programas já existentes na Associação, como o Serviço de Registro Genealógico (SRG), o Teste de Progênie (TP) e o Serviço de Controle Leiteiro (SCL), e também a criação do Sistema de Avaliação Linear do Girolando (Salg).
O PMGG tem como objetivos principais a identificação de indivíduos geneticamente superiores, a multiplicação genética de forma orientada, a avaliação genética de características economicamente importantes e a promoção da sustentabilidade da atividade leiteira. Os resultados do Programa têm sido impressionantes.
A raça girolando é a que mais cresce na produção de sêmen, no Brasil, chegando à marca de 920.848 doses produzidas em 2021, o que representa um aumento de mais de 9% em relação a 2020.
Além disso, outro dado é o crescente incremento na produção de leite das vacas girolando. Considerando uma produção de leite em até 305 dias, no início do século, a produção média alcançava 3.695 kg. Duas décadas depois, essa média aumentou para 6.032 kg, representando um aumento de 60% no período.
Devido a esses e a outros fatores, a raça girolando vem ganhando cada vez mais reconhecimento nacional e internacional, tornando-se a preferida para produção de leite nas regiões tropicais. No Brasil o agronegócio do leite está presente em quase todos os municípios, gerando em torno de 5 milhões de empregos diretos e indiretos e um volume de negócios de, aproximadamente, US$ 18 bilhões.
A raça girolando possui grande aceitação no setor. Cerca de 80% do leite produzido no país provêm de animais da raça, sendo capazes de manter bom nível de produção em diferentes sistemas de manejo e condições climáticas.