Será estudado o uso de energia renovável em fábrica em Uberaba (MG)
A Casa dos Ventos e a Atlas Agro assinaram um memorando de entendimentos (MoU, na sigla em inglês) para estudarem o melhor modelo para fornecimento de hidrogênio verde, que será destinado para a produção de fertilizante nitrogenado sustentável. O acordo envolve a análise de viabilidade técnica e econômico-financeira para fornecimento de energia renovável pela Casa dos Ventos para a futura fábrica da Atlas Agro em Uberaba (MG).
As empresas vão estudar, entre outros aspectos, o uso de energia eólica ou solar fotovoltaica, ou ainda as duas fontes de forma combinada, para produzir o hidrogênio verde, além de pontos como o modelo comercial, engenharia, investimentos e a localização da usina que vai gerar a eletricidade. O hidrogênio é uma das principais matérias-primas para a produção da amônia, elemento utilizado na fabricação dos fertilizantes nitrogenados.
Os fertilizantes nitrogenados são usados na agricultura como nutriente do solo no plantio de diversas culturas. O Brasil importa 95% do produto necessário para atender à demanda nacional de países geopoliticamente instáveis, como Irã, Rússia e Ucrânia.
O fertilizante importado é produzido com uso do chamado hidrogênio cinza, obtido a partir do uso de combustíveis fósseis, como carvão mineral e gás natural. O agronegócio brasileiro é o maior importador global do insumo, com 41 milhões de toneladas trazidas para o país no ano passado.
O plano da Atlas Agro é construir uma fábrica em Uberaba para produzir 530 mil toneladas por ano de fertilizantes sustentáveis, obtido com o uso de hidrogênio verde – este, produzido a partir da eletrólise (processo no qual a água é “desfeita” com a separação do hidrogênio e do oxigênio), cuja eletricidade vem de fontes renováveis.
A previsão é que a fábrica de fertilizantes da Atlas Agro entre em operação comercial em 2028, para atender mercados do Triângulo Mineiro, Goiás, Minas Gerais e norte de São Paulo, nos quais o consumo anual totaliza em torno de 3 milhões de toneladas por ano.
De acordo com o diretor-executivo da Casa dos Ventos, Lucas Araripe, além da redução da dependência da importação do fertilizante nitrogenado, que ficou evidente após 2022 com a explosão dos preços do insumo após início da guerra entre Rússia e Ucrânia, o agronegócio brasileiro é o maior emissor de gases de efeito estufa na atmosfera. Essa condição abre espaço para novos negócios no futuro, dentro de uma lógica de criação de novas demandas para amplo potencial que o Brasil apresenta.
E o MoU foi formatado dentro desse ambiente, avalia Araripe. “Acho que o nosso grande negócio é pensar na transição energética e onde é que a eletricidade do Brasil pode beneficiar [nesse processo]”, disse.
Knut Karlsen, cofundador da Atlas Agro e presidente da Atlas Agro Brasil, salienta que a fábrica de Uberaba demanda investimentos da ordem de US$ 1 bilhão e é dedicada para atender ao mercado interno, como parte dos planos de reindustrialização do país. Para a produção do hidrogênio verde, a água será retirada do Rio Grande. Karlsen salienta que quimicamente, o produto final é idêntico ao produzido com uso de gás natural, mas 100% verde.
Caso a iniciativa seja bem sucedida, a Atlas Agro pode prosseguir com a implantação de novas unidades: a empresa tem um plano para construir até 10 unidades no país num período entre oito e dez anos, o que demandaria um volume de investimentos que poderia chegar a algo em torno de US$ 10 bilhões, disse Karlsen. Nesse aspecto, a empresa frisa que está investindo em um projeto no qual o produto final não visa de forma prioritária o mercado externo. “A gente já está procurando o terreno para a segunda fábrica”, disse Karlsen.
Hidrogênio verde nem tão caro assim
Para fornecer os 300 MW médios necessários à produção, afirmou Araripe, da Casa dos Ventos, seria necessário, por exemplo, a construção de uma eólica com capacidade instalada de 600 MW a 700 MW, dependendo da região e do fator de capacidade. Os estudos vão avaliar também a produção da eletricidade por geração solar ou ainda uma combinação das duas fontes: a partir da decisão de investimento, no fim de 2025, a Casa dos Ventos ainda teria entre dois anos e dois anos e meio para colocar a geradora de pé.
Araripe explicou que apesar do alto custo do hidrogênio verde, o MoU quer estudar o quão caro realmente sairia o fertilizante verde, diante da abundância de energia renovável e da tendência de queda de custos de produção, diante de uma demanda cada vez maior por produtos verdes, dentro de uma lógica de descarbonização. “Talvez o hidrogênio verde não seja tão mais caro que o cinza, eles têm toda a logística de transporte marítimo, transporte interno até o campo”, disse Araripe.
O executivo da Casa dos Ventos lembra ainda que dois fatores favorecem a geração renovável. Um deles é o momento atual do setor elétrico, com preços da energia descolando-se dos patamares mínimos por causa da seca severa pela qual o país ainda atravessa, ajuda a viabilizar projetos eólicos com contratos de longo prazo. O outro é a sanção recente da lei que estabelece o marco regulatório para o hidrogênio verde no Brasil.
Nessa linha, Karlsen explica que o mercado de fertilizantes nitrogenados é responsável, atualmente, por 2% das emissões de CO2 equivalentes no mundo. Volumes semelhantes são encontrados na aviação, por exemplo, disse.
“Não é um produto que está buscando um mercado, hoje acho que é um mercado que busca um produto”, acrescentou Maria Gabriela Rocha de Oliveira, diretora de energia renovável da Atlas Agro.
Ela ressalta que o custo de geração das renováveis é baixo, onerado por encargos setoriais, transporte da energia e tributos. Desta forma, um modelo que está na mesa é o da autoprodução, no qual o consumidor entra de sócio nos projetos de geração.
Foco nos renováveis
A produção de fertilizantes nitrogenados nunca avançou no país nos últimos anos porque uma visão predominante no país é de que o gás natural é a saída para baratear os custos de produção, segundo Karlsen. Para ele, o gás natural deixa de ser um elemento essencial para a produção dos nitrogenados com a geração renovável em abundância para a produção do hidrogênio verde; assim não há necessidade de subsidiar o gás para a produção de nitrogenados.
Além disso, a formação de uma demanda firme aqui no Brasil tenderia a atrair produtores de equipamentos e bens de capital, como os eletrolisadores, aumentando o ecossistema.
“É uma grande oportunidade para a geração eólica e solar e para o país se reindustrializar”, avalia Araripe. “O Brasil tem que se orgulhar do que já fez, tem que se tornar protagonista olhando o que tem de melhor, que são as renováveis”, disse Karlsen.
Um aspecto que pode melhorar o cenário para a Atlas Agro e outros produtores de nitrogenados no país seria uma medida do governo que equipare fábricas como a de Uberaba a produtores voltados para o mercado externo.
Oliveira, da Atlas Agro, observa que a lei recém-sancionada, estabelece incentivos fiscais para produtores instalados em zonas de processamento de exportação (ZPE), como o Porto do Pecém, visto como um dos principais polos do hidrogênio verde no país.
Um caminho para reduzir distorções é o projeto de lei 699/2024, que cria o Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes (Profert), que abre espaço para a desoneração dos investimentos em unidades voltadas para o mercado interno, que ficam em desvantagem por não contar com os mesmos benefícios das ZPEs.
“Acho que é importante fazer essa distinção, de que nem todos os projetos de hidrogênio são iguais. Talvez não esteja havendo a visão estratégica para o Brasil de que a gente precisa promover aqueles projetos que vão contribuir para a descarbonização do Brasil em si, e não incentivar a descarbonização da Europa”, disse Oliveira.
Os executivos da Atlas Agro apontam ainda uma vantagem da produção local de nitrogenados a partir da energia verde, que é a promoção da segurança alimentar, em linha com os objetivos do governo e a aprovação do Profert ainda este ano se torna importante, segundo eles para a independência do Brasil da importação do produto.