A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo há anos vem realizando um trabalho de controle e orientação para impedir a proliferação da mosca-dos-estábulos, uma espécie hematófaga que ataca diversas espécies, dentre as quais se destacam bovinos, caprinos, ovinos, equinos, cães e até mesmo o homem. O ambiente ideal para desenvolvimento da Stomoxys calcitrans (Linnaeus, 1758), são as áreas onde usinas de cana-de-açúcar e rebanhos bovinos convivem lado a lado,
“Focos aqui e ali são controláveis, o problema maior é causado quando há um aumento significativo da população, tornando-se um surto com grandes ataques ao gado, aos equinos, aos animais domésticos e até à população”, frisa o médico veterinário Valnério de Castro, extensionista da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) Regional Marília, que atua em quatro municípios atualmente afetados pelo surto da mosca: Herculândia, Queiroz, Quintana e Pompeia.
As visitas aos locais são feitas sob demanda e muitas vezes os extensionistas da CDRS formam parcerias com os funcionários da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, ambos órgãos da Secretaria, para atender aos chamados dos pecuaristas e/ou das Prefeituras. Comprovado o surto e o sofrimento dos animais ‒ que passam a não se alimentar, juntar-se em grupos tentando se livrar das doloridas e incômodas picadas dos insetos, abandono de crias, estragos no pasto com os pisoteios constantes em uma mesma área e, até mesmo, ataque aos animais domésticos e pessoas ‒, a visita se estende às vizinhanças, propriedades e áreas de usinas, onde estão os criatórios das moscas.
As curvas de nível dos canaviais, onde a vinhaça geralmente fica depositada em cima da palhada da cana, proporcionam um local ideal para proliferação; assim como todos os subprodutos da cana, que precisam ser vistoriados e manejados, conforme explica Valnério. Os reservatórios de vinhaça devem ser limpos das borras que se acumulam, a palhada removida, as leiras de tortas de filtro revolvidas com frequência, pois todos estes são locais ideais de criatório para as moscas e, consequentemente, de proliferação”, afirma.
Além da vinhaça, subproduto das usinas de cana-de-açúcar e que é usada como adubo nos canaviais, há as leiras de matéria vegetal em decomposição, outro criadouro favorável. “Quando são feitas leiras muito altas, que dificultam o revolvimento constante, elas se tornam locais extremamente eficientes ao desenvolvimento da Stomoxys”, conta Grilo, como é conhecido o médico veterinário que atua como assistente de planejamento na CDRS Regional Marília. “É preciso uma ação constante de educação e vigilância junto às usinas, já que em 90% dos casos os surtos estão relacionados com os subprodutos da cana e seu manejo inadequado”, afirma o médico veterinário Cláudio Camacho, integrante do Grupo Técnico de controle da mosca-dos-estábulos, criado pela Secretaria.
A afirmação é corroborada pelo médico veterinário da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, Luiz Barrochelo, também integrante do Grupo Técnico, que contam que os primeiros surtos passaram a ocorrer em 2008, quando foi proibida a queima da cana. “A queimada acabava com os criatórios, porém deixavam um saldo ambiental muito negativo, com poluição nas áreas rurais e urbanas. Infelizmente, não há uma solução única, são decisões difíceis, para as usinas o custo é alto de monitoramento e para o pecuarista significa perdas consideráveis. No caso, a Defesa Agropecuária atua mais como parceira da CDRS, na verificação e constatação das irregularidades; e, a partir daí, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que é a responsável pelo licenciamento das usinas e por verificar se estão dentro dos padrões ambientais exigidos”, explica Barrochelo.
Para isso, a partir da denúncia dos pecuaristas e/ou da prefeitura, geralmente feitas à CDRS, são realizadas inspeções, feitos relatórios com fotos dos locais e novas visitas de acompanhamento da situação, semanalmente, durante 30 dias após a primeira inspeção. As usinas são passíveis de multa, mas apenas o pagamento dela não resolve a questão, concordam todos. Dessa forma, o controle da mosca é uma atividade constante durante toda a safra nas regiões onde a cana se encontra com as pastagens.
A redução dos surtos é possível, assim como a convivência com as moscas desde que haja apenas focos. Já a eliminação é praticamente impossível, por isso as ações precisam ser constantes de divulgação das medidas que podem reduzir drasticamente a população das moscas. A CDRS editou e distribuiu um folder explicativo das medidas e normas do Governo do Estado para conter as moscas e promover uma convivência mais pacífica entre duas grandes e importantes cadeias produtivas do agronegócio: cana-de-açúcar e bovinocultura.
A mosca não conhece divisas e nem se o gado pertence a produtores rurais de pequeno, médio ou grande porte. Em relação às usinas, o mesmo acontece, não importa se são grandes ou pequenas, mas se o manejo é adequado, tanto do canavial, com a fertirrigação, quanto dos subprodutos da cana, como as tortas de filtro e borras e os reservatórios de vinhaça. “Geralmente, as usinas que trabalham em sistemas mais antigos de moagem oferecem maiores riscos”, explica Cláudio Camacho, dizendo que os solos argilosos (argissolos) favorecem o acúmulo da vinhaça nas curvas de nível. “O canhão utilizado na fertirrigação pode estar desregulado e não distribuir adequadamente a vinhaça, formando bolsões; é nestes locais, nos bordos, que as moscas põem seus ovos. Em cerca de uma semana (ciclo biológico), novas moscas nascem e alçam vôo, porém é em torno de 15 a 20 dias após as irregularidades acontecerem que aparecem os surtos, quando muitas moscas saem em busca de alimento: o sangue dos animais”, explica.
A preocupação começa no início da safra da cana-de-açúcar, a partir de março/abril, mas o pico coincide com o inverno e a seca e se mantém ao longo do ano. Os surtos fora de época geralmente são ocasionados pela borra que fica acumulada no fundo dos reservatórios. “Com muita umidade, a larva da mosca morre, com muita seca também, porém a vinhaça proporciona a umidade ideal ao seu desenvolvimento. É relevante que as usinas façam compostagem do subproduto (tortas e borra) para eliminar o excesso de matéria orgânica. Outra medida de controle é fazer leiras de no máximo 1,5m de altura em forma piramidal para que possam ser revirados sem grandes dificuldades, porém encontramos leiras de mais de 3m de altura!”, conta Camacho.
Esse foi o cenário encontrado na Alta Paulista nas visitas efetuadas por Valnério “Grilo” de Castro. “Foi feito um relatório com várias fotos, a Defesa Agropecuária foi acionada para que fizesse a fiscalização conjunta com a Cetesb; a prefeitura, geralmente, também é acionada. A Prefeitura de Quintana enviou equipes da Saúde para inspeções nas áreas das propriedades pertencentes ao município, porque, com o aumento das moscas, elas passam a atacar também os seres humanos”, conta o extensionista, dizendo ser muito triste ver o sofrimento dos animais. “É também preocupante, vacas abandonam as crias, os animais deixam de se alimentar e quando caem, é morte certa”.
As visitas são feitas nas propriedades rurais e nas áreas da usina. A seguir, é apresentado um relatório inicial apontando as irregularidades. As visitas são semanais, durante 30 dias, para verificação se estão sendo feitas as alterações necessárias. Multas são previstas e aplicadas. “Há dois anos não tínhamos relato de surtos na região de Marília” conta o diretor da CDRS Regional, engenheiro agrônomo Cláudio Funai, mas basta um descuido da usina que os surtos voltam a ocorrer, então o trabalho de divulgação e vigilância é constante.
Os únicos meses livres são janeiro, fevereiro e março; começando a safra e, com ela, a existência dos subprodutos da cana, toda a atenção é necessária. O Governo do Estado fica a postos para ouvir os proprietários e autuar os causadores; enquanto isso, a educação e divulgação das medidas permanece como medida educativa, para que sejam atendidas a Resolução n.º 38/SAA e, a seguir, a Portaria com a regulamentação. “A Resolução e a Portaria permitiram padronizar as ações e, de lá para cá, foram feitos vários treinamentos conjuntos entre técnicos da extensão e da Defesa Agropecuária, para que os protocolos de atendimento sejam executados.
Os surtos deste ano podem estar relacionados à redução da mão de obra no campo, ao preço mais baixo do álcool e à situação financeira mais apertada nas usinas, fatores ocasionados pela pandemia. Tendo isso em vista, toda a atenção é imprescindível para reduzir mais este impacto da Covid-19”, afirma Cláudio Camacho.