Se você é cafeicultor e trabalha com qualidade, possivelmente já se perguntou: será que está na hora de colher? Quanto tempo ainda posso esperar?
Tecnicamente, a colheita não deveria ser iniciada antes que os cafeeiros atingissem, pelo menos, 80% dos frutos maduros. Sabemos que tanto o rendimento, quanto a qualidade do café estão diretamente relacionados ao ponto de colheita e o índice de maturação dos frutos.
A principal evidência da maturação é a mudança da cor da casca. No café, ela transita do verde para vermelho ou amarelo, de acordo com a variedade. Isso é o resultado da intensificação das atividades respiratórias, produção do etileno e, na sequência, a degradação da clorofila e síntese de pigmentos, como carotenoides e antocianinas.
Apesar de a Natureza ser extremamente didática, o cafeicultor já percebeu, na prática, que as aparências enganam. A identificação visual da cor pode não ser um padrão eficiente para determinar, por si só, a maturação dos frutos e o momento ideal de colheita. E isso parece ser particularmente difícil para algumas variedades amarelas.
Cafés especiais costumam ter valores acima de 22 graus brix – Foto: Emanuelle Araújo/Embrapa Rondônia
Nos grãos originados de frutos verdes observa-se maior concentração de fenóis como taninos, ligninas e ácidos clorogênicos, que são responsáveis pela adstringência dos frutos e, consequentemente, da bebida. Os frutos maduros, por outro lado, além de maior peso dos grãos, também possuem maior teor de acidez titulável total, de açúcares redutores e não redutores, açúcares totais e sólidos solúveis totais.
O processo fisiológico da maturação envolve o metabolismo de diversos constituintes dos grãos, não é um fenômeno simples. Destacam-se os voláteis, fenólicos, ácidos graxos, proteínas e algumas enzimas, que variam em presença e teor. Sofre influência de parâmetros genéticos, climáticos e culturais. Esta combinação, muitas vezes, cria um cenário de maturação desuniforme na lavoura, o que se torna um grande desafio para o produtor de cafés especiais.
Na ânsia de resolver a questão, alguns cafeicultores apelam para um regulador de crescimento do grupo químico do etileno. Com sua aplicação, as lavouras ganham um aspecto de maturação perfeito e extremamente homogêneo.
Mas, de forma geral, o processo de maturação forçada não vai muito além do exocarpo (casca). Isso torna frutos verdes e verdoengos despolpáveis, o que parece vantajoso, por aumentar a quantidade de produção de cereja descascado pelo processamento via úmida.
Na prática, o cafeicultor está apenas contaminando o seu lote perfeito com grãos que darão adstringência à bebida. Por mais visualmente atrativos que os frutos possam parecer, se trata de uma maturação forçada e com prejuízos à qualidade. No trabalho de campo e na literatura científica, não se encontra nada que justifique o uso do etileno para produção de cafés especiais.
Em busca da doçura natural
O uso do refratrômetro ou brixômetro para estimar o ponto ideal de colheita tem se tornado a cada dia mais popular para a cafeicultura. Isso é feito por meio da leitura dos valores de sólidos solúveis (brix) do suco obtido pela compressão manual dos frutos em maturação.
O teor de sólidos solúveis representa o conteúdo de açúcares, principalmente glicose, frutose e sacarose, ácidos orgânicos e outros constituintes menores. A estimativa desses teores, por meio do brixômetro, pode ser interessante para a predição da qualidade de bebida do café, uma vez que os açúcares reagem durante a torra sendo responsáveis pela cor marrom e características desejáveis de sabor e aroma.
Ainda que se saiba o efeito dos açúcares sobre a qualidade do café, e da possibilidade dos sólidos solúveis da polpa migrarem e influenciarem as características do grão, não se sabe realmente em qual proporção. Outra hipótese é a da existência de um gatilho comum que influencia, ao mesmo tempo, a constituição da polpa e da semente do café. A leitura do brix seria uma maneira indireta de estimar o que se passa no interior do fruto.
O uso do brix na cafeicultura ainda tem muitas incógnitas e ajustes de protocolo. A bebida do café tem origem nos grãos e isso torna a relação entre a qualidade e os valores de brix restritos. Principalmente quando comparado, por exemplo, às culturas agronômicas como a uva, cana de açúcar e citrus, cujos produtos finais têm origem no suco da polpa ou colmo.
Em um estudo científico, realizado na Região da Mata, em Minas Gerais, foi possível observar que os valores médios de brix durante uma colheita são crescentes ao longo de todo período. O gráfico mostra que os frutos cereja coletados no início da safra obtiveram valores médios de brix de 20,7, enquanto os frutos do final foram de 22,8. Nesses dois pontos, foram ainda analisadas a qualidade sensorial da bebida e, respectivamente, as notas foram 78,8 e 84,3, pela Metodologia de Avaliação Sensorial da Specialty Coffee Association – SCA.
Outra observação importante é que os frutos cereja demonstraram apresentar um ciclo de maturação (amadurecimento, pico e senescência) de, aproximadamente, cinco dias. Isto quer dizer que, se o cafeicultor quer realmente utilizar o refratrômetro de forma eficaz, deve fazer um acompanhamento diário para saber o momento ideal de colheita.
De forma geral, os valores de brix para o café variam de 15 a 30 graus. Entretanto, os valores de referência para a qualidade ainda não estão devidamente definidos, são inúmeros os fatores de influência nas características químicas, físicas e sensoriais do café. Mas, tem-se observado para cafés especiais, valores acima de 22 graus brix.
O grau de brix tem sido continuamente utilizado para determinar a maturação e a palatabilidade de diversos produtos agrícolas. Pode ser uma ótima ferramenta de gestão de colheita e pós-colheita. Mas, nunca é demais mencionar, o grau brix trata de uma estimativa dos sólidos solúveis na polpa do fruto. Estudos levam a concluir que valores altos de sólidos solúveis são uma das condições para cafés especiais, nunca uma garantia. Para mais informações sobre o uso do brix, clique aqui.
*Enrique Anastácio Alves é doutor na área de Engenharia Agrícola e, desde 2010, atua como pesquisador A na Embrapa, nas áreas de Colheita, pós-colheita do café e qualidade de bebida. Contato: enrique.alves@embrapa.br.