Clima instável, riscos constantes: a importância do seguro rural na safra brasileira.

Arrecadação do seguro agrícola aumentou mais de 265 vezes nos últimos 18 anos

Aline Merladete

O seguro rural é uma ferramenta fundamental para a proteção dos agricultores contra os imprevistos do clima, tem uma história profundamente enraizada na necessidade de proteger os investimentos agrícolas. Desde os primórdios da agricultura, os produtores buscavam formas de mitigar os riscos inerentes à atividade, reconhecendo que as intempéries climáticas poderiam comprometer a produção e, consequentemente, suas fontes de renda.

O presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais, Joaquim Neto, enfatiza a importância do seguro agrícola para proteger os agricultores contra as perdas decorrentes de eventos climáticos, como seca, excesso de chuva, granizo e geada. Ele ressalta que nos últimos anos, devido aos eventos mais frequentes e severos associados ao La Niña e El Niño, houve um aumento na frequência e severidade desses eventos climáticos, afetando diferentes regiões do país. Neto destaca que, apesar do El Niño ser caracterizado por secas na região Norte-Nordeste, essas condições climáticas também prejudicaram os estados do Centro-Oeste, Sudeste e até mesmo o Paraná, na região Sul, durante a última safra de grãos de verão. Ele salienta que os agricultores que contrataram seguro agrícola tiveram a sorte de receber indenizações e manter suas finanças estáveis, enquanto aqueles sem seguro enfrentaram perdas significativas e estão recorrendo ao auxílio governamental para cumprir seus compromissos financeiros.

O sul do Brasil, especialmente os estados do Paraná e Rio Grande do Sul, lideram em contratações de seguro agrícola. Surpreendentemente, não são apenas os grandes proprietários que recorrem ao seguro, mas também os agricultores de pequeno e médio porte, registrando uma ampla adesão entre diferentes estratos da agricultura. A subvenção do governo tem desempenhado um papel importante nesse cenário, facilitando o acesso ao seguro para os agricultores menores, uma vez que existe um limite de valor por CPF do agricultor. “O acesso ao seguro deve ser realizado antes do momento do plantio, transplante ou poda, dependendo do tipo de cultura, e é intermediado por corretores habilitados ou instituições financeiras que fornecem financiamento agrícola. Muitas dessas instituições aproveitam a oportunidade do financiamento para oferecer condições favoráveis de seguro aos agricultores.” No entanto, Joaquim Neto ressalta que há desafios a superar, incluindo a limitação orçamentária da subvenção e a redução do apetite das resseguradoras devido a perdas recentes, tanto locais quanto globais.

Neto ainda destaca também que os agricultores têm buscado estratégias adicionais para mitigar os riscos, como o uso do Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos (ZARC), desenvolvido pela Embrapa. O Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) é uma ferramenta na gestão de riscos na agricultura brasileira. Desenvolvido com base em estudos detalhados dos últimos 40 anos de padrões climáticos, o ZARC, conforme explicado por Joaquim Neto, da Embrapa, é uma estratégia que permite aos agricultores minimizar os riscos associados aos fenômenos climáticos adversos. Ao identificar a melhor época de plantio para cada município, levando em consideração diferentes tipos de solo e ciclos de cultivo, o ZARC oferece uma abordagem tangível para lidar com incertezas climáticas.

Regido pelo Decreto Nº 9.841/2019, o Programa Nacional de Zoneamento Agrícola de Risco Climático visa aprimorar a qualidade e disponibilidade de dados e informações sobre riscos agroclimáticos no Brasil. Com essa finalidade, são considerados parâmetros como clima, solo e ciclos de cultivo, com uma metodologia validada pela Embrapa e adotada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. Esses estudos resultam na determinação das melhores épocas de plantio para cada cultura e região, fornecendo um guia valioso para os produtores.

Desde sua primeira publicação em 1996 para a cultura do trigo, o ZARC expandiu abrangendo todas as Unidades da Federação e mais de 40 culturas, incluindo espécies de ciclo anual e permanente, além de consórcios como o de milho com braquiária. Esse crescimento reflete a importância crescente do ZARC como uma ferramenta de mitigação de riscos para agricultores em todo o país, independentemente do tamanho de suas propriedades.

Os benefícios do ZARC não se limitam apenas à orientação para o plantio seguro, mas também se estendem à elegibilidade para programas governamentais e a concessão de crédito rural. Para ter acesso a programas como Proagro e seguro rural com subvenção federal, os agricultores devem seguir as recomendações do ZARC. Além disso, alguns agentes financeiros condicionam a concessão de crédito à aderência aos indicativos do zoneamento, destacando a importância crescente dessa ferramenta na agricultura brasileira.

Por outro lado, os desafios persistem, especialmente relacionados à capacidade de financiamento e à disponibilidade de seguros rurais. A recente diminuição no apetite das resseguradoras, devido a perdas causadas por eventos climáticos e pandemia, destaca a necessidade de soluções adaptativas para garantir a eficácia contínua do ZARC como um instrumento de gestão de riscos na agricultura brasileira.

Ao avaliar o histórico climático das regiões a serem contratadas, os agricultores podem tomar decisões mais informadas e mitigar os riscos potenciais. Essa abordagem baseada em dados contribui para atender melhor às necessidades dos agricultores, especialmente aqueles com um histórico positivo de produção. Apesar das concentrações de contratação de seguro nos estados do Sul, como Paraná e Rio Grande do Sul, as seguradoras têm se esforçado para expandir sua atuação regionalmente.

Além de atender às demandas tradicionais dessas regiões, as seguradoras têm se voltado para estados do Centro-Oeste, Sudeste e até mesmo para regiões emergentes como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Essa diversificação reflete a crescente conscientização dos agricultores sobre a importância de proteger suas colheitas diante dos desafios climáticos.

O crescimento do seguro agrícola tem sido expressivo nos últimos 18 anos, conforme revelado por um estudo da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). A arrecadação do seguro agrícola aumentou mais de 265 vezes nesse período, impulsionada principalmente pelo Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que tornou esse tipo de seguro mais acessível aos agricultores. O seguro agrícola se destaca, representando quase metade da arrecadação total das modalidades de seguro rural no mercado segurador. Além do crescimento na arrecadação, o valor das indenizações pagas aos produtores rurais também aumentou significativamente ao longo dos anos.

Segundo o estudo da CNseg, as indenizações ultrapassaram R$ 26,1 bilhões em 18 anos, refletindo um aumento nominal de 10.099% desde 2005. Esse crescimento demonstra a importância do seguro agrícola na proteção dos agricultores brasileiros contra as incertezas climáticas e de mercado, garantindo a estabilidade econômica e financeira desses produtores em face dos desafios do campo. As políticas públicas e incentivos governamentais também são elementares na promoção do seguro rural no Brasil, especialmente diante dos desafios impostos pelos riscos climáticos em constante evolução.

Como destacado por Joaquim, em diversas regiões do mundo onde a agricultura é uma atividade relevante, os governos têm implementado apoios robustos para auxiliar os agricultores na mitigação das perdas decorrentes de eventos climáticos adversos. Países como Estados Unidos, Canadá, Europa, com destaque para a Espanha, e alguns da Ásia, como China e Índia, são exemplos claros disso. Nessas nações, há um entendimento de que o apoio na contratação de seguros agrícolas contribui para reduzir as perdas para o país como um todo. Ao evitar perdas financeiras, os agricultores conseguem manter a estabilidade econômica, não transferindo prejuízos para instituições financeiras e podendo planejar suas atividades para a próxima safra de maneira mais eficiente. Além disso, as políticas públicas de seguro rural permitem que os agricultores tenham acesso a recursos que lhes proporcionam maior segurança e estabilidade.

Ao contar com o respaldo do governo para adquirir seguros, os produtores podem se proteger contra os riscos inerentes à atividade agrícola, como intempéries climáticas, pragas e doenças. Isso não apenas fortalece a resiliência do setor agrícola, mas também impulsiona o desenvolvimento econômico das áreas rurais, garantindo a continuidade das operações agrícolas mesmo em tempos de adversidade.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, salientou a crescente importância do seguro rural, afirmando que ele assumiu um papel fundamental nunca antes visto. Em sua visão, a universalização desse seguro é essencial para garantir a estabilidade do agronegócio brasileiro. Fávaro destacou a necessidade de ajustes e modernização do sistema, visando aprimorar o cruzamento de informações e tornar as apólices mais flexíveis, adaptando-se melhor às demandas do setor.

Além disso, Fávaro defendeu o emprego de tecnologia e inteligência artificial para mitigar riscos, como o cruzamento de previsões meteorológicas. Ele observou que essa prática já é adotada em outros países e expressou o interesse em experimentá-la no Brasil, principalmente no próximo Plano Safra. O ministro enfatizou a importância de se buscar constantemente por alternativas inovadoras para modernizar o sistema de seguro rural, evitando depender exclusivamente de orçamentos para subsidiar os prêmios. O ministro ainda salienta que a busca por ampliar a abrangência do seguro rural e torná-lo mais acessível não deve se limitar à disponibilidade de recursos orçamentários, indicando que existem mecanismos e estratégias para atingir esses objetivos sem depender exclusivamente de subsídios governamentais.

Além de mitigar as perdas econômicas dos agricultores, as políticas públicas de seguro rural também contribuem para a modernização e profissionalização do setor agrícola. Ao fornecer incentivos para a contratação de seguros, o governo estimula a adoção de práticas mais sustentáveis e tecnologicamente avançadas, promovendo assim o aumento da produtividade e a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado global.

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