Diversos produtores de etanol e biodiesel já se movimentam para buscar junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) as certificações necessárias para emitir os créditos de descarbonização previstos no programa RenovaBio.
Até o início da semana, 13 produtores já haviam iniciado as consultas públicas com as certificadoras, também reguladas pela ANP, de olho da receita adicional que será gerada pelo programa, a partir de 2020.
O RenovaBio é um programa federal lançado em 2017, no governo Temer. Pretende estimular o mercado de biocombustíveis e reduzir a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa.
Há estimativas que apontam para um valor individual os CBios na casa de US$ 10 (cerca de R$ 40, mas estudos do MME chegaram a falar em R$ 146.
Resultados de simulações da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) e da Unicamp estimam que os CBios possam valer entre R$ 35 e R$ 76 reais, respectivamente.
“Se houver apenas uma transação por CBio ao preço de R$ 35, o mercado do primeiro ano [2020] será de aproximadamente R$ 700 milhões”, estima o sócio-fundador da Green Domus, Felipe Bottini.
A Green Domus é uma das firmas inspetoras responsáveis pela certificação da nota de eficiência energética a ser atribuída aos produtores de biocombustíveis. Essa nota definirá a quantidade de CBios que cada unidade poderá emitir.
“Estamos trabalhando em 49 plantas, produtoras de etanol de cana, de milho, biodiesel e biometano. Estimamos que nossos clientes irão emitir entre 6 e 11 milhões de CBios nos 12 meses subsequentes à certificação”, afirma Bottini.
CBios negociados na bolsa
O produtor certificado poderá emitir crédito de descarbonização em até sessenta dias. Porém, não somente distribuidores e produtores poderão negociar e há uma expectativa que o ativo seja capaz de atrair investidores, fundos de pensão, fundos verdes e até pessoas físicas.
O MME espera que até 2030 sejam comercializados, em bolsa, algo próximo de 590 milhões de CBios, com volume médio de R$ 2,6 bilhões de reais por ano.
Ricardo Zibas, sócio-diretor responsável pela área de Sustentabilidade da KPMG, outra firma inspetora do RenovaBio, prefere não fazer estimativas.
“Estamos falando de mercado, há uma volatilidade. O que sim existe é uma demanda de CBios já contratada. Em um primeiro momento, haverá uma menor oferta no mercado e a tendência é que o preço fique elevado, mas depois se estabilize conforme a capacidade de entrega”, afirma
A demanda contratada a que Zibas se refere são as metas individuais, que estabelecem a quantidade de CBios que as distribuidoras deverão comprar. Esse número será determinado, anualmente, pelo volume de combustíveis fósseis vendidos no ano anterior. Quanto mais gasolina e diesel vendidos, mais CBios a distribuidora terá que adquirir.
A BSbios é uma das clientes da Green Domus. Produtora de biodiesel, já entrou com o processo de certificação de duas unidades de fabricação. Erasmo Carlos Battistella, presidente da empresa e da Associação de Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), acredita que as certificações sejam concluídas até novembro.
“Imaginamos que vamos ter um número bem considerável de CBios, em função do tamanho da nossa produção. A unidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, tem capacidade instalada de 288 milhões de litros de biodiesel/ano, sendo que no momento está passando por uma ampliação, e deve chegar a 414 milhões de litros de biodiesel/ano. Mesma capacidade da Unidade de Marialva, no Paraná”.
A JBS Biodiesel também já iniciou consulta pública de duas unidades e estima colocar no mercado cerca de 550 mil CBios por ano. Em 2018, a empresa comercializou 260 milhões de litros de biocombustível. Ela está investindo R$ 180 milhões na construção de uma nova planta em Mafra (SC).
“Desde sua criação, o RenovaBio vem evoluindo de forma positiva, e todos os prazos de regulamentação têm sido cumpridos, haja vista a entrada do B11 no último leilão realizado”, afirma Alexandre Pereira, diretor da JBS Biodiesel.
O B11 é o diesel com 11% de biodiesel. Este ano, a ANP conclui a regulamentação e a mistura será obrigatória a partir de 2020, com o teor de 15% até 2024.
No Brasil, existem 362 usinas produtoras de etanol em operação e 59 plantas de biodiesel, além de outras 8 em construção. Em 2018, foram produzidos 32,3 bilhões de litros de etanol e 5,4 bilhões de biodiesel.
Segundo projeção da EPE, até 2030, a produção de etanol pode chegar a 54 bilhões de litros e a de biodiesel deve ultrapassar os 13 bilhões.
Distribuidoras e importadoras de combustíveis fósseis terão que comprar créditos de descarbonização para compensar sua emissão de CO2. Os responsáveis por ofertar os CBios serão os produtores de biocombustíveis. As usinas produtoras, voluntariamente, passarão por um processo de certificação, que ficará a cargo de empresas inspetoras, que também terão que solicitar credenciamento junto à ANP.
As certificadoras, então, emitirão uma nota de eficiência energética para cada usina, de acordo com o nível de emissão de carbono, considerando todo o ciclo de vida do bicombustível produzido na unidade, desde o plantio até o refinamento. Isso quer dizer que quanto menor seu impacto ambiental, mais alta será sua nota.
Essa nota também será analisada pela ANP, por meio de consultas públicas. A partir dela, será determinada a quantidade de CBios que cada usina poderá emitir e comercializar como ativos na bolsa de valores.
Demanda concentrada
Reflexo do mercado de combustíveis, a BR Distribuidora, Ipiranga e Raízen serão responsáveis pela compra de mais 66% dos CBios disponíveis no mercado. As metas passarão a vigorar a partir de 24 de dezembro deste ano.
A Raízen atuará nas duas pontas. Além de distribuidora, a empresa é a maior produtora de etanol do Brasil, com cerca de 2,5 bilhões de litros por ano. Sendo assim, ela poderá emitir CBios ao mesmo tempo em que terá que cumprir a meta de compra dos créditos de descarbonização.
“Entendemos que o CBio sempre será emitido em nome do produtor ou importador de biocombustível, o que significa que outros atores interessados na compra deste ativo, como é o caso da própria Raízen em seu papel de distribuidora, deverão adquiri-lo em mercado aberto e formal, e a princípio não poderão obtê-lo de outra forma”, afirmou a empresa, enquanto aguarda as últimas definições regulatórias sobre a comercialização dos CBios.
Falta regramento financeiro
Ainda falta regramento financeiro que permita ao sistema financeiro desenvolver seus sistemas e contratos de CBios, como os limites de transação, por exemplo. Estima-se que no primeiro trimestre de 2020 alguns pontos estejam definidos.
“A regulamentação financeira ainda é indeterminada. Acredito que a regulamentação do setor financeiro ficará para um segundo momento. O foco agora são as determinações técnicas”, explica Ricardo Zibas, lembrando que a regulamentação de todo o programa ainda está em fase de construção.
Por enquanto, também caberá a ANP estabelecer os critérios para regulação e fiscalização do lastro do crédito de descarbonização, bem como a definição, registro e controle das operações de venda de biocombustíveis que possam servir de lastro à emissão primária dos CBios.
Fonte: Nova Cana