A educação do consumidor ajuda a compreender melhor o jogo de preços do café servido
Por Ensei Neto/Estadão
Até o início dos anos 2.000 era muito comum em restaurantes ser oferecido o café ao final da refeição como uma cortesia.
Ok, uma cortesia efetivamente entre aspas, pois geralmente era um café de bebida sofrível, pendendo mais para o lado da maldade do que para a benevolência. Para completar, havia a clássica ideia de que ficava em nosso país somente os piores grãos, pois os melhores eram exportados. Portanto, esperar algo péssimo para beber não seria surpresa.
Essa virada de século foi importante para o mercado brasileiro porque com a crescente presença de máquinas de café expresso iniciou-se a cobrança dos cafés servidos em restaurantes, tal qual sempre se fez com a sobremesa. Naturalmente, como parte dessa transformação, era esperada uma sensível melhora na qualidade dos cafés servidos e devidamente cobrados. De início o fato de que um serviço complexo fora incorporado era a deixa para justificar a cobrança.
Em relação aos preços praticados pelos restaurantes, bares e cafeterias, surge uma discussão calorosa entre os produtores e os donos de cafeterias. Os cafeicultores, que se dedicam por quase um ano desde a florada dos cafezais até terem os grãos prontos para a venda, reclamam dos preços, que são ditados pelas cotações internacionais sob os humores dos investidores das bolsas de mercadorias e muitas vezes mal cobrem os custos de produção. Imagine que nos dias de hoje a saca de 60 kg de café cru de boa qualidade, classificado, fica com preços médios entre R$500,00 e R$700,00.
Uma saca de café cru converte-se em 48 kg, se forem grãos de média baixa qualidade, ou 51 kg de café torrado, se forem de muito boa qualidade. Os valores médios de uma xícara de café expresso fica em torno de R$ 6,00, quando são empregados de 7g a 10g de café torrado.
Numa conta rasa, os produtores não se conformam em ver que 1 saca de 60 kg de café cru, que se transformaram em 51 kg de café torrado, podem equivaler a 5.100 xícaras de café expresso, chegando ao astronômico valor de R$ 30.600,00!
Deve ser lembrado que nessa mesma xícara de café expresso devem ser computados custos como o da aquisição da máquina de expresso, do tratamento da água, da própria água usada e da energia elétrica consumida (cada máquina de expresso consume tanto quanto um chuveiro de grande capacidade em modo inverno!). Ou seja, a margem é boa, mas requer um controle rigoroso do empresário, o que torna distante da realidade aquele valor estratosférico do faturamento de uma saca de café depois de torrado.
Ousadamente um grupo de baristas, liderado pelo Emerson Nascimento, atual campeão brasileiro de bebidas à base de café, modalidade conhecida como Coffee in Good Spirits, além de exímio no Lattè Arte, criando figuras com o leite sobre o café expresso, fundou o Curto Café, que fica na região central do Rio de Janeiro. Esta cafeteria tem como inusitado o fato de que o cliente paga o seu expresso de acordo com sua consciência. Ou seja, é o cliente que define quanto irá pagar pela bebida.
Segundo o Emerson, esse modelo foi bastante complicado no início, pois é totalmente fora da cultura brasileira. Se definir um preço é difícil, pois tradicionalmente todos pedem por descontos, imagine deixar por conta do consumidor a precificação do serviço.
O desânimo pegou o grupo por diversas vezes, porém a vontade de perseverar foi maior.
Difícil, sim, porém o modelo foi se impondo à medida que os consumidores passaram a compreender o valor da bebida associada à sua qualidade, isso tudo através de um programa educacional intenso que acontecia nas manhãs dos finais de semana. Ou seja, a educação do consumidor é transformadora, definitivamente.
Essa compreensão de valor do trabalho e serviço oferecido, juntamente com a qualidade da bebida, pode levar à clara percepção do que é um valor justo do café que será consumido. Esse é a maior lição dessa ousadia.