Produtores de laranja migram para outros estados para fugir de doença e da seca

Maior produtor mundial da fruta, Brasil vivencia o desafio de combater os efeitos da escassez hídrica e do greening, principal doença dos pomares, ainda sem cura

Sarita Junqueira Rodas e José Cláudio Ruiz são de gerações diferentes e não se conhecem, mas têm algo em comum: são paulistas criados em fazendas de laranja, assumiram propriedades com décadas no cultivo, mas agora se viram obrigados a buscar terras fora do Estado para continuarem seus negócios. Ambos os produtores tentam fugir do greening, a pior doença da citricultura mundial e cuja cura ainda não foi encontrada. O tempo seco, que tem reduzido a produção da fruta há cinco temporadas, é outro desafio no campo.

São citricultores como esses que vão definir os rumos da produção de laranja no país e ajudar a indústria de suco a sair da encruzilhada de pouca oferta, preços altos e demanda em queda. Um cenário antes impensado para empresas que movimentam um mercado de US$ 34 bilhões por ano e que agora precisam decidir se no longo prazo devem mudar de cidade, de país ou até de negócio.

Em 2023/24, São Paulo e Triângulo Mineiro — maior área citrícola do mundo — produziram 307,2 milhões de caixas de 40,8 quilos de laranja, 2,2% menos que no ciclo anterior e a quinta queda consecutiva. A razão para a redução foi a escassez de chuva, que se estendeu do fim do ano passado até abril de 2024, quando acaba oficialmente a temporada. O tempo seco também diminuiu o peso dos frutos para o menor volume em dez anos, com 163 gramas, em média.

Além do clima, outro vilão tem assombrado os produtores e a indústria. O greening atingiu 38,06% dos pomares em 2023/24, segundo o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). A doença transmitida pelo minúsculo psilídeo Diaphorina citri é velozmente espalhada de uma fazenda para outra, desrespeitando qualquer barreira conhecida. Como ainda não tem tratamento efetivo, a recomendação para os produtores é que plantem laranja em propriedades sem citricultores vizinhos. “Uma das melhores formas de proteção contra o greening é não existir pomares de citros em um raio de 10 quilômetros”, afirma Juliano Ayres, gerente- geral do Fundecitrus.

Essa é a estratégia de Sarita Junqueira Rodas, CEO de um dos mais tradicionais produtores de laranja do país, o grupo Junqueira Rodas, que depois de 50 anos em São Paulo, procurou outros caminhos e foi parar no município de Paranaíba, em Mato Grosso do Sul. “Começamos a buscar lugares em que pudéssemos plantar de forma isolada, ao mesmo tempo que não fosse distante dos nossos clientes, as indústrias de suco”, relata a empresária.

A fazenda recém-comprada está recebendo as primeiras mudas de laranjeira e terá 1.000 hectares. O plantio deve terminar em fevereiro de 2025, e os primeiros frutos serão colhidos daqui a quatro anos. O problema que essa “fuga” para lugares isolados exige um investimento de milhares de reais e um período de adaptação e aprendizado. “Em Mato Grosso do Sul, o solo é mais arenoso e a temperatura média é mais alta, portanto, o manejo é diferente do que estamos habituados há décadas. Toda a produção precisa ser irrigada e não há mão de obra especializada”, diz Sarita.

As outras oito propriedades do grupo, que juntas somam 4.500 hectares com laranja, têm situações diversas de contaminação por greening. Enquanto algumas têm incidência de 30%, como a fazenda localizada em Bauru, outras não chegam a 0,5%, como a unidade de Guaraci. “Com o apoio do Fundecitrus, temos feito manejo integrado entre os vizinhos. Por exemplo, aplicamos inseticidas todos no mesmo dia e ao mesmo tempo. Além disso, o monitoramento nos pomares é contínuo e exaustivo.”

Outras ações são mais divertidas e exigem um pouco de fé para dar resultado. Sarita e outros citricultores já contrataram um carro de som para pedir à população da cidade que eliminasse qualquer árvore de citros que tivesse em casa ou numa chácara.

Não por coincidência, o citricultor José Cláudio Ruiz também está indo em direção a Paranaíba. O município tem água abundante para irrigação e fica no entroncamento entre São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Lá, Ruiz plantará 600 hectares de laranja em uma fazenda arrendada, com vizinhos que cultivam eucalipto. A colheita, assim como a de Sarita, vai começar apenas daqui a quatro anos e vai dobrar a capacidade atual de fornecimento do produtor. Nas outras quatro fazendas da família, as similaridades com o que é vivenciado pela produtora continuam. O greening atinge os pomares de forma diferente, alguns em 30% e outros em menos de 2% das áreas.

O investimento de ambos mostra que, apesar dos pesares, os citricultores ainda acreditam no potencial do mercado de suco no longo prazo. “Fora o arrendamento, investiremos R$ 30 milhões mesmo sabendo que o preço do suco não ficará nos patamares praticados atualmente”, salienta Ruiz.

O suco de laranja concentrado e congelado (FCOJ, na sigla em inglês) é cotado na Bolsa de Nova York (ICE Futures) e seu preço bateu recorde em maio de 2024, ao chegar a US$ 4,693 a libra-peso. Somente neste ano, o FCOJ subiu 40,6%. O mercado de laranja é bastante lucrativo, mas obriga a uma profissionalização que praticamente eliminou do setor pequenos produtores.

“A indústria exige uma série de certificações que custam caro. O greening demanda cada vez mais aplicações de insumos e um monitoramento de perto, que precisa ser feito por pessoas experientes. Além disso, o clima seco e quente só permite ficar no mercado quem tem irrigação, o que também é bem oneroso”, detalha Ruiz. Em 2022/23, o produtor colheu 400 mil caixas de laranja e, em 2023/24, 250 mil caixas, devido ao clima, que encolheu as frutas. Ainda assim, ele chegou a um faturamento de R$ 10 milhões.

Do ponto de vista da indústria, os caminhos nunca tiveram tantos obstáculos. Apesar de o preço do suco no mercado internacional garantir uma boa remuneração, o setor está preocupado com a demanda. Na safra 2023/24, finalizada em abril, a receita de exportações bateu recorde, com US$ 2,5 bilhões somente em vendas de suco de laranja concentrado e congelado. O número representa um aumento de 21,3% em relação às vendas de 2022/23. Considerando os subprodutos, as exportações chegaram a US$ 3 bilhões.

O volume de suco exportado, porém, caiu 9,3% na temporada, para 961,3 mil toneladas, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior, compilados pela Citrus- BR, entidade que representa as três maiores empresas do segmento: Citrosuco, Cutrale e Louis Dreyfus Commodities. “O aumento dos preços do suco tem freado a procura pelo produto. Nos Estados Unidos, o consumo está no menor patamar em 24 anos”, constata Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR.

De acordo com a consultoria Nielsen, o consumo de suco de laranja nos EUA ficou em 89,9 milhões de litros ao mês no primeiro semestre deste ano, quase metade dos 154,8 milhões de litros vistos durante a pandemia de covid-19, quando o consumidor se voltou a bebidas saudáveis e fontes de vitamina C. Na comparação com a mesma época de 2023, há queda de 21%.

O mesmo tem ocorrido na Europa. As vendas do produto brasileiro ao continente caíram 11,8%, para 504,3 mil toneladas em 2023/24. De acordo com um relatório publicado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o consumo da bebida nesse mercado recuou 0,23% na safra 2023/24 em relação à temporada precedente.

“O mercado de suco é elástico porque a bebida pode ser facilmente substituída por outra. Com o aumento dos preços e menor oferta, a migração ocorre mais intensamente”, conclui Netto. “E vivemos um período em que a oferta de suco está abaixo da demanda. Portanto, não adianta agora incentivar o consumo”, acrescenta.

Um relatório da International Fruit and Vegetable Juice Association (IFU) reforça a perspectiva negativa. Segundo a entidade, o mercado internacional tem usado o suco de laranja como ingrediente para composição de sucos multifrutas, e não como produto final. No Brasil, é possível ver que marcas como a Natural One passaram a adicionar maçã às bebidas que antes eram apenas de laranja.

Mas há outras razões para a retração no consumo. Andrés Padilha, especialista na área de bebidas, lácteos, papel e celulose do Rabobank, observa que a demanda por suco de laranja, principalmente o FCOJ, tem recuado nos EUA há 15 ou 20 anos.

“Erroneamente, culparam o suco em algum momento pela obesidade dos americanos, dizendo que aumenta o índice glicêmico e que seria melhor consumir a fruta fresca. Hoje, se sabe que é uma questão de excesso, mas isso pegou muito o maior mercado do mundo na época”, recorda.

Ao mesmo tempo, houve uma explosão de outras alternativas para consumo imediato, como bebidas à base de chá, café, refrigerante zero, todas concorrentes do suco de laranja. “Sem falar dos néctares e outras misturas que confundem as pessoas”, completa.

Uma solução para conquistar esse consumidor que quer produtos mais frescos vem sendo testada por várias companhias: aumentar as vendas de suco fresco refrigerado (NFC). Na temporada 2023/24, do total comercializado no Brasil, 51,1% foram de NFC. Há dez anos, o percentual era 20,4% e, há 20 anos, era 9%. “Desde 2019, a demanda por NFC tem crescido entre 30% e 45% ao ano e hoje representa metade do nosso negócio”, explica Tomas Balistiero, diretor agrícola e de operações da Citrosuco.

O mesmo acontece na Louis Dreyfus Company (LDC). “Houve um aumento da proporção de NFC por desejo do consumidor”, destaca Jorge Costa, diretor de todas as operações do grupo no Brasil.

O problema é que o produto é mais perecível e exige uma logística mais desafiadora e onerosa, com tanques acéticos e nitrogenados e hermeticamente fechados. E, enquanto o congelado pode ser corrigido com um blend, o suco fresco depende da natureza para ter seu sabor garantido e da tecnologia para que esse gosto não se perca no transporte.

A LDC investiu US$ 50 milhões nos últimos três anos na unidade de Matão para atender a essa demanda. Desse total, US$ 25 milhões foram em tanques para armazenamento e pasteurização do suco fresco refrigerado.

A empresa enfrenta a encruzilhada da oferta e demanda assim como os produtores, buscando novas áreas de plantio longe do greening para poder expandir as operações. “Penso que dentro de São Paulo, na região de Pereira Barreto, perto de Mato Grosso do Sul, há espaço para o crescimento da citricultura ainda”, pondera Costa. A LDC gerencia 39 fazendas de laranja no país, entre próprias e de terceiros, e tem centenas de fornecedores, que mudam a cada safra.

A Citrosuco também busca ilhas de isolamento do greening. Há um ano e meio, comprou uma fazenda no sul de Minas Gerais, onde não há incidência da doença. Há três meses, arrendou uma propriedade no sudoeste do mesmo Estado, com um raio de 50 quilômetros sem vizinhos. “Temos tomado decisões nos últimos anos que vão permitir a expansão das atividades no longo prazo”, justifica Balistiero. A Citrosuco tem 26 fazendas próprias e mais de 1.000 fornecedores.

Ambos os executivos afirmam que as indústrias monitoram a oferta de frutos e sólidos no mundo inteiro, mas por enquanto não enxergam a possiblidade de construir fábricas em outros locais. “Claro que acompanhamos o crescimento da produção de laranja em todos os países. Mas somente em São Paulo temos uma ilha de excelência de qualidade dos frutos e infraestrutura de exportação”, relata Balistiero. “Acredito que o Brasil ainda é o principal candidato a novas fábricas e também ao crescimento da produção de laranja para suco”, complementa. Há quem especule que, para justificar a construção de uma fábrica, o entorno precisa ter uma produção de pelo menos 30 milhões de caixas de laranja.

No mundo, 129 países produzem laranja, sendo a maioria com lavouras pequenas para abastecer o mercado interno. No Egito, México, África do Sul e Espanha tem crescido a produção da fruta, mas com variedades mais voltadas à mesa que à produção de suco. “A fruta de mesa tem mais valor agregado, exige um manejo ainda mais complexo, porque precisa ser mais bonita que aquelas que vão para o suco. Esses países criaram mercados assim, com apenas as sobras e as menos bonitas indo para à indústria”, descreve Juliano Ayres, do Fundecitrus.

No Brasil, a maior parte da produção de laranja é destinada ao suco e à exportação. O país é o maior produtor mundial da commodity, sendo responsável por oito em cada dez copos da bebida consumida no planeta. Se levar em consideração todo o suco de laranja tomado na Europa, o Brasil responde por 90% do total.

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