Novo presidente da entidade que representa pecuaristas atribui situação à pressão dos frigoríficos
Por Raphael Salomão
Preços pagos ao produtor caíram 42% neste ano Gabriel Faria
A pressão de baixa nos preços do boi gordo está exagerada e traz incerteza aos pecuaristas. A avaliação é de Victor Miranda, que tomou posse como novo presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), em evento realizado na noite de segunda-feira (17/7), em São Paulo.
“Não tem argumento para a carne estar tão baixa para quem produz. É algo para refletirmos e nos posicionarmos no âmbito da ACNB”, disse Miranda, em seu discurso durante a cerimônia. “Está havendo um exagero por parte dos atravessadores, dos frigoríficos, em relação ao que estão pagando”, acrescentou, em entrevista à Globo Rural.
O indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) iniciou julho a R$ 259,05 a arroba, com base no Estado de São Paulo. Chegou a cair para R$ 244,70 (5/7). Na segunda-feira (17/7), a referência fechou a R$ 257 a arroba, acumulando uma alta de 1,1% na parcial do mês.
Leia também
Mais caros do mundo: 9 animais de fazenda vendidos por milhões
Demanda limitada por carne bovina na China pressiona boi brasileiro
Ainda assim, é menor que a média de julho de 2022, que, de acordo com a instituição, estava acima de R$ 320. De janeiro a abril deste ano, antes do movimento mais acentuado de baixa, as médias mensais estavam superiores a R$ 280 por arroba, também com base no mercado paulista.
Em Mato Grosso, o Instituto de Economia Agropecuária do Estado (Imea) destaca em boletim semanal divulgado na segunda-feira que o diferencial de preço em relação a São Paulo está maior quando comparado a junho. Na semana passada, entre os dias 10 e 14 de julho, a arroba do boi gordo no Estado oscilou entre R$ 213 e R$ 214.
Consumo
À Globo Rural, Miranda afirmou que os preços pagos ao produtor caíram 42% neste ano enquanto o consumidor não percebeu essa retração na mesma intensidade. Segundo ele, a queda da carne nas gôndolas do varejo foi em torno de 15%, o que cria uma situação desproporcional no mercado.
“A situação tem que ser corrigida. O consumo está freado porque o preço não baixou na gôndola do supermercado. Os preços estão muito baixos para quem produz”, afirmou.
Exportações
Dados do governo federal compilados pela indústria frigorífica apontam que os preços foram determinantes para o resultado das exportações de carne bovina no primeiro semestre deste ano. De acordo com a Abrafrigo, a cotação média entre janeiro e junho foi de US$ 4,6 mil por tonelada. No mesmo período do ano passado, o valor médio era de US$ 5,7 mil por tonelada.
No primeiro semestre, o volume embarcado foi de 1,07 milhão de toneladas de carne bovina in natura e industrializada, queda de 1% em relação aos primeiros seis meses de 2022. Na mesma comparação, a queda na receita dos exportadores foi de 21%, de US$ 6,2 bilhões para US$ 4,9 bilhões.
Principal destino da carne bovina brasileira, a China comprou 518,3 mil toneladas nos primeiros seis meses do ano, 4,6% a menos que no intervalo de janeiro a junho de 2022 (543,1 mil toneladas). A receita, de US$ 2,612 bilhões, foi 29% menor que a obtida com as vendas para o país asiático no primeiro semestre de 2022 (US$ 3,676 bilhões).
“No início do ano, tivemos o bloqueio pela China. Quando houve o retorno, para nossa surpresa, os preços não voltaram. Hoje, a produção de ‘boi China’ não tem muita diferença em relação ao convencional”, explicou, também durante o evento, o ex-presidente da ACNB, Nabih Amim El Aouar.
El Aouar, que permanece na diretoria da entidade na nova gestão, como primeiro vice-presidente, reforçou a preocupação com o atual cenário de mercado. Ressaltou que a queda nas exportações para a China tornou-se um ingrediente a mais de incerteza em um ciclo pecuário que já é baixista.
Com maior abate de fêmeas, tendência é de uma redução na oferta de bezerros — Foto: Globo Rural
Abates
Com a baixa nos preços, os pecuaristas estão abatendo mais fêmeas, o que contribui para pressionar ainda mais o mercado. Em função desse movimento, a tendência é de uma redução na oferta de bezerros e, consequentemente de boi gordo destinado a abate, levando a uma reversão de ciclo.
El Aouar acredita na possibilidade de uma retomada de alta nos preços a partir de 2024. Até lá, o que chama de “queda de braço entre o setor pecuário e a indústria” permanece desfavorável aos criadores de gado, inibindo investimentos em tecnologia na produção.
“Está levando a um atraso nos investimentos pelo pecuarista. A adoção de novas tecnologias está bloqueada pelos preços, que não justificam investir porque o retorno não paga a conta”, afirmou.
“Quando voltar o bezerro, vai encarecer e, naturalmente, vai encarecer o boi gordo. Isso não é bom. Tem que haver um equilíbrio. Isso vai refletir lá na frente, porque vai faltar bezerro. Faltando bezerro, vai faltar boi gordo”, acrescentou Victor Miranda.
Genética
Se, no rebanho de produção, a situação preocupa, o mesmo não se pode dizer da elite do gado Nelore. Animais da raça seguem batendo recordes de preço em leilões de genética provada pelo Brasil.
É Nelore a vaca considerada mais cara do mundo. Viatina FIV Mara Móveis teve um terço de sua propriedade arrematado por R$ 6,99 milhões, passando a ser avaliada em quase R$ 21 milhões, um valor recorde.
“Hoje o Nelore atingiu um patamar de excelência. Temos que trabalhar para levar o melhoramento genético para o nelore registrado e também para o pequeno, médio e grande pecuarista”, defendeu Victor Miranda, para quem a tecnologia está contribuindo para reduzir a distância entre a genética vista nas pistas de julgamento e a dos rebanhos de produção nas fazendas.
Atualmente, a raça Nelore responde por 80% da bovinocultura nacional destinada à produção de carne. No entanto, criadores afirmam que a representatividade da raça zebuína na pecuária de corte é ainda maior, considerando a utilização da genética no cruzamento industrial com taurinos, como o Angus.
Segundo o presidente da ACNB, 99% da carne Angus comercializada no Brasil é de animais meio-sangue Nelore. Destacar essa representatividade passa pela identificação da presença de genética zebuína nos rótulos das embalagens dos cortes de carne vendidos ao consumidor.
No ano passado, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) chegou a questionar na Justiça a Associação Brasileira de Angus sobre o que classificou como omissão da presença de genética zebuína nos produtos certificados pela entidade que representa os criadores de taurinos.
“Desde o início, a ACNB vem batendo nessa questão, a ABCZ idem, para trazer no rótulo o meio-sangue Angus meio-sangue Nelore. A discussão está avançando. Já está determinado que vai ter o selo demonstrando que é cruzamento e vamos ficar cada vez mais vigilantes nisso”, disse o presidente da ACNB.
ACNB
O mandato da nova diretoria da entidade vai até 2025. Entre as principais diretrizes, segundo a ACNB, estão aumentar a participação dos criadores e o trabalho em conjunto com outras entidades do setor, como a própria ABCZ, Câmara Setorial da Carne Bovina do Ministério da Agricultura e Comissão de Bovinocultura de Corte da Comissão de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Outra meta é seguir com a ampliação de iniciativas como o Circuito Nelore de Qualidade. Neste ano, estão previstos 41 eventos em diversas regiões do Brasil, além de Paraguai e Bolívia. A ACNB prevê ainda a realização de etapas do circuito no México e no Equador.