Integração lavoura-pecuária eleva produtividade do gado e viabiliza soja em solos arenosos

Além dos benefícios econômicos, os pesquisadores da Embrapa constataram melhorias no sistema produtivo, de forma geral, na fazenda

Devido às limitações de solo e clima, o chamado Arenito Cauiá, no noroeste do Paraná, não tinha tradição de produzir grãos até os anos 2000. Mas o cenário de predomínio de pastagens vem mudando com a introdução do sistema de integração lavoura-pecuária (ILP). Atualmente, há produtores na região que já alcançam os patamares médios de produtividade de soja do Paraná, um dos mais elevados do Brasil.

De acordo com o pesquisador Júlio Franchini, da Embrapa Soja, a inserção da leguminosa no sistema, após a manutenção da pastagem perene, se justifica em razão da perda de produtividade de forragem após o segundo ano  de uso. Por outro lado, a implantação de pastagem perene após duas safras de soja é motivada pela redução da qualidade física do solo após o segundo ano de cultivo de soja, quando se observa decréscimo na produtividade da oleaginosa.

“Nesse contexto, esse modelo de produção vem demonstrando vantagens operacionais, econômicas e ambientais, contribuindo assim para a sustentabilidade do sistema”, afirma Franchini.

Um dos exemplos bem sucedidos de uso do ILP é a fazenda Santa Felicidade, situada em Maria Helena (PR), que nas últimas 12 safras, alcançou média de produtividade da soja de 2.975 kg/ha (49,58s acas/ha), próxima da média dos últimos dez anos no Paraná, que é de três mil quilos por hectare. “A análise da produtividade de soja revela que, na média, a cultura gerou rentabilidade satisfatória”, comemora o veterinário Antonio Cesar Pacheco Formighieri, que administra a fazenda em conjunto com os irmãos Raimundo Formighieri Neto e José Augusto Pacheco Formighieri. “Alcançamos maior média de produtividade na safra 2018/2019, com 71,48 sacas por hectare, valor bastante expressivo para o Arenito Caiuá”, revela. 

Porém, a melhoria da qualidade da pecuária, certamente é o principal resultado da ILP na Fazenda Santa Felicidade, que obteve 0,65 kg a 1kg de ganho de peso para cada animal por dia, utilizando-se lotação média de quatro unidades animal (UA) por hectare. “Esses valores conferem ganho de aproximadamente 2,6 arrobas por ha por mês, sem suplementação de ração ou silagem”, relata Formighieri.

Segundo a Embrapa, a média de lotação de bovinos em 45 municípios no Noroeste do PR é 1,2 UA/ha, enquanto que em outros 62 municípios do estado a média de lotação é de 1,7 UA/ha. “Em termos de produtividade animal, são comuns as fazendas de pecuária de corte que não conseguem obter mais do que 150 kg de ganho de peso vivo por hectare por ano, praticamente inviabilizando a atividade”, destaca Franchini.

Caracterização da propriedade

A fazenda Santa Felicidade apresenta 312 hectares agricultáveis, ocupados com a cultura da soja no verão e pastagem anual de inverno ou com pastagem perene, além de 13 hectares com eucalipto para produção de madeira para ser usada na propriedade e venda de excedentes. O relevo da fazenda é ondulado, com declividade média de 5% a 10%, o que torna a área sensível ao processo erosivo, uma grande preocupação nesse ambiente de produção. O solo da fazenda é muito arenoso, com apenas 12% de argila, em média. 

Durante os últimos 12 anos, a fazenda vem utilizando o modelo que intercala o cultivo de duas safras de soja com dois anos de pastagem perene. Entre duas safras de soja, a área é cultivada com Braquiaria ruziziensis ou Braquiaria brizanta cv.

Formighieri, diz que metade da área total cultivada é ocupada com pastagens na primavera/verão e, no outono/inverno, época de menor produção forrageira, toda a área cultivada é ocupada com pastagens.

No outono/inverno, a produção das pastagens cultivadas após a soja garante o fornecimento de forragem aos animais. “Portanto, com o modelo utilizado, há menores variações de produção forrageira entre as estações do ano. E a constância de produção forrageira é uma das principais vantagens desse modelo”, ressalta. 

A partir da adoção da ILP. A partir de análises químicas de solo anuais nas profundidades de 0 a 20 cm e de 20 cm a 40 cm, foram observados aumentos nos teores de nutrientes e no estoque de carbono orgânico do solo nas duas camadas desvendadas. “Isso é particularmente importante, uma vez que o sistema preconiza a formação de perfil de solo com alta fertilidade, a fim de promover elevado crescimento de raízes em profundidade para tolerar eventuais veranicos”, relata o pesquisador da Embrapa Henrique Debiasi.

​​Na região Noroeste do Paraná , devido às altas temperaturas, o mais importante, afirma Debiasi, é a formação de um pool de matéria orgânica transitório, com os benefícios a ele associados, como conservação de nutrientes e conservação de água pela redução de temperatura na superfície. Esse reservatório de matéria orgânica necessita ser abastecido continuamente, pois sua persistência é muito baixa nas condições de alta temperatura e baixo teor de argila dos solos da região. 

Medidas feitas na propriedade pela Embrapa indicaram valores médios de 35 º C no solo sob palhada de braquiária e de 65º C em solo exposto, sem proteção. “Esse efeito tem grande importância para reduzir a morte de plântulas por escaldadura, bastante comum na fase de estabelecimento da lavoura de soja”, conta o cientista.

Mais carbono no solo

Outros resultados de pesquisa obtidos nas condições do estado indicam que, em geral, existe uma conservação de aproximadamente 5% a 10% do carbono adicionado ao solo na forma de palhada. “Considerando-se que a pastagem bem conduzida pode aportar em torno de dez toneladas de palha por hectare entre os meses de maio e setembro, com um teor médio de 40% de carbono, haveria um aporte médio de pelo menos 400 kg por hectare de carbono, na forma de matéria orgânica do solo”, afirma Debiasi.

Solo e clima desafiadores

O noroeste Paraná abriga o Arenito Caiuá, formação de solo presente em 107 municípios do estado, e que responde por 16% da área total do estado (3,2 milhões de hectares). Esse arenito é caracterizado por solos arenosos (entre 10% e 30% de argila) e com alta suscetibilidade à erosão. Os teores de areia atingem 85% a 90% e possuem níveis críticos de fósforo, potássio, cálcio, magnésio, além de baixos teores de matéria orgânica.

De forma complementar, em muitas situações, o teor de areia grossa é elevado, enquanto que a areia fina é baixo, provocando baixa capacidade de retenção de água no solo. “Os solos arenosos têm pouca resistência ao processo erosivo e baixa fertilidade, o que favorece a degradação das pastagens”, avalia o pesquisador Alvadi Balbinot. “Além disso, em sua maioria, não são realizadas adubações de correção e a manutenção necessária para que haja qualidade das forrageiras,” complementa.

ILP para clima tropical e solos arenosos

A partir dos anos 2000, os produtores tiveram dificuldade especialmente em manejar a erosão e em controlar as plantas daninhas. Nesse contexto e também com o lançamento de cultivares de soja resistentes ao glifosato, foi possível controlar a braquiária no meio da lavoura de soja. 

Os pesquisadores da Embrapa revelam que a adoção de estratégias preconizadas no sistema de plantio direto, com destaque para a diversificação de culturas, é determinante para produzir soja na região. “O plantio direto ajuda na conservação do solo e da água, porque minimiza a erosão, aumenta a retenção de água e nutrientes no solo, melhora os atributos biológicos do solo e reduz os picos de temperatura e assim como diminui a infestação de plantas daninhas”, destaca o pesquisador Alvadi Balbinot.

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