Custos da comida no domicílio rumam para alta próxima ou até acima de 7% em 2024, estimam economistas, com peso de preços de carne bovina, arroz e feijão
Comer em casa deve pesar mais no bolso do consumidor neste fim de 2024 que de costume, fechando um ano que marca o retorno da inflação à alimentação no domicílio, após rara deflação em 2023.
Nos três últimos meses de 2024, a inflação da alimentação no lar, que tem um peso relativo maior no orçamento dos mais pobres, deve superar a mediana dos últimos dez anos para o período, segundo a LCA Consultores. O economista Fábio Romão espera altas mensais um pouco acima de 1%, ante medianas, de 2014 a 2023, de 0,58% em outubro, 0,67% em novembro e 0,88% em dezembro. Demais analistas também veem altas mensais historicamente elevadas para a alimentação em casa no período, de 0,9%, 0,85% e 1%, respectivamente, de acordo com a mediana das expectativas coletadas pelo Banco Central na pesquisa Focus.
Assim, a previsão mediana de inflação da alimentação no domicílio em 2024 do Focus, que iniciou o ano em 4,1%, já está em 6,6%. Este deve ser um dos fatores a contribuir para o IPCA do ano fechar próximo ou acima do teto de 4,5% da banda de tolerância da meta de 3% – o Focus já está em 4,55%.
A LCA projeta alta de 7,1% para a alimentação no lar este ano, o que, segundo Romão, é elevado. Até agosto, a expectativa era de 4,9%. “A alimentação no domicílio é uma dor de cabeça. Chama a atenção que as expectativas ficaram por um bom tempo entre 4% e 5% e, agora, foram a 7%”, diz Romão.
Na média de 2011 a 2019, a alimentação no domicílio subiu 6,7% ao ano, nota Romão. Com a pandemia, ele lembra, o grupo foi bastante pressionado, registrando altas de 18,2% em 2020, 8,2% em 2021 e 13,2% em 2022. Em 2023, a alimentação em casa teve deflação de 0,5%, a primeira desde 2017.
“É como se os preços tivessem subido a montanha de ‘quatro por quatro’, muito rápido. No ano passado, começaram a descer lentamente, mas foi como se deixasse de piorar. O nível geral de preços de alimentos ficou muito alto. Vimos uma desinflação, mas não uma devolução”, diz Romão.
onsiderando suas projeções para o último trimestre, Romão estima que, de 2018 a 2024, a alimentação no domicílio terá acumulado alta bem superior à do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), inflação oficial do país: 74%, ante 44%. Com dados já observados, até setembro de 2024, a alimentação em casa avança 68,5%, ante 42,3% do IPCA.
A alimentação no domicílio subiu muito mais que a inflação média desde 2018 e voltou a acelerar neste ano. De junho de 2023 a maio de 2024, a inflação em 12 meses da alimentação no lar ficou abaixo do índice geral. Em junho deste ano, houve uma inversão, e o acumulado da alimentação em casa passou a rodar acima do IPCA. A inflação no domicílio saiu de 3,27% nos 12 meses até maio deste ano para 6,27% até setembro, já o IPCA foi de 3,93% para 4,42%.
Churrasco mais salgado
Economistas estão especialmente assustados com o comportamento dos preços das carnes. A fase do ciclo do boi, com diminuição dos abates, e o aumento das exportações já eram fatores de pressão esperados para a virada de 2024 para 2025. A seca e os incêndios nas áreas produtoras, porém, trouxeram pressão adicional e antes do previsto à carne bovina.
“Teve uma aceleração muito forte no preço do boi gordo nos últimos meses. Foi uma alta que ninguém esperava nessa magnitude”, afirma Alexandre Maluf, economista da XP. Ele projeta aumento de 7% para os preços da alimentação no domicílio em 2024, mas reconhece que a estimativa tem viés de ser maior. Só as carnes no IPCA – o que inclui, por exemplo, carne de porco – devem subir 12,5%, diz.
De setembro para outubro deste ano, a arroba do boi gordo negociada na B3 saltou da casa de R$ 200 para mais de R$ 300. “Está muito alta e o repasse para o varejo também está elevadíssimo e muito rápido”, afirma Andréa Angelo, estrategista para inflação da Warren Investimentos.
No atacado, os preços dos bovinos em 12 meses aceleraram de 7,7% até setembro para 16,9% até outubro, observa Romão, a partir do Índice Geral de Preços – 10 (IGP-10), da FGV. Até dezembro, a alta pode chegar a 26,1%, estima.
Na prévia da inflação de outubro (IPCA-15), o preço das carnes em geral subiu 4,18%, ante setembro, bem acima da variação de 0,54% do índice geral.
A previsão da LCA é que, no varejo, o preço da carne suba 4,37% em outubro fechado, ante 0,53% em igual período de 2023. A alta deve desacelerar para 2,56% em novembro e 1,79% em dezembro, ainda bem acima do visto em 2023 – 1,37% e 0,55%, respectivamente.
Assim, diz Romão, o IPCA-carnes deve acumular alta de 8,95% de outubro a dezembro deste ano, a maior para um último trimestre desde 2020, quando subiu 15,04% sob os efeitos da pandemia.
Entre fim de agosto e agora, a projeção da LCA para inflação das carnes no IPCA em 2024 passou de 1,3% para 9,4%, vindo de deflação de 9,4% em 2023. Em um mês, a projeção da Warren para os preços da carne bovina, especificamente, neste ano foi de 4% para 9,5%.
Por “efeito substituição” à carne bovina, a demanda por outras proteínas – como aves e ovos, pescados e carnes/peixes industrializados – também acaba subindo, o que deve pressionar seus preços, notam economistas.
A estiagem também afetou o leite in natura, observa Romão. No atacado, o produto saiu de alta acumulada em 12 meses de 3,13% até agosto para 24,2% até outubro, pelo IGP-10, e até dezembro pode chegar a 39,66%, estima. Na sua avaliação, isso se desdobrará no varejo em taxas mensais de leites e derivados bem acima das quedas comuns em fins de ano.
Arroz com feijão
Desde o início do ano, o cenário para alimentos no Brasil em 2024 foi marcado pelo temor dos efeitos do fenômeno climático El Niño, que acabaram sendo menos fortes do que o esperado. “Mesmo assim, promoveu alguns estragos na formação de preços”, diz Romão.
O clima em geral não deu folga. A sazonalidade de virada de ano já não costuma ser favorável aos alimentos “in natura” e, de 2023 para 2024, isso se prolongou, aponta Angelo. “Ficou praticamente até junho só com variação positiva, acumulou alta forte. Caiu em julho, agosto e setembro, mas agora tende a voltar ao campo positivo”, afirma. Ela espera alta de 7,56% nos preços dos alimentos “in natura” em 2024, depois de subirem 4,94% em 2023.
Outro vilão à mesa neste ano é bem conhecido dos brasileiros: o “arroz com feijão”. A sazonalidade também não é favorável para o arroz no fim de ano e, antes disso, os preços sentiram as enchentes de maio no Rio Grande do Sul, lembra Angelo. Ela projeta alta de 12% para o preço do arroz em 2024, após já ter subido 24% em 2023. “É muito caro. E, quando um sobe, o outro tende a ir também”, diz, em referência à expectativa de alta de 4,5% no preço do feijão neste ano.
Angelo diz estar “confortável” com sua projeção de alta de 8,2% para os preços da alimentação no domicílio em 2024, mas reconhece que o risco, se houver, é de esse número ser maior. “Estamos vendo o efeito do câmbio em alguns alimentos. E o café também está com problema de safra”, exemplifica.
Segundo Maluf, o câmbio afeta, por exemplo, os preços do óleo de soja, cujo grupo “óleos e gorduras” no IPCA deve subir 12,3% este ano, estima. “São itens muito sensíveis para a população que vemos pressionados.”
A XP projetava desaceleração da inflação da alimentação em casa para 6,4% em 2025, mas Maluf diz ter dúvidas. “Pode ser algo mais parecido com 2024.” As carnes como um todo, por exemplo, podem subir mais 16,1%, estima. A alta só não deve ser maior porque não houve atraso nas chuvas para o plantio de grãos, como milho e soja, que são insumos na pecuária.
A Warren também vê desaceleração da alimentação em casa em 2025, para 5,55%, mas o viés vai depender da arroba do boi, “que ninguém está entendendo onde vai parar”, diz Angelo. Para 2025, ela espera mais um aumento de 10% nos preços da carne bovina.
Em geral, a alimentação no domicílio preocupa menos o Banco Central, porque a política monetária tem menor gerência sobre esses preços. Alguns itens impactando a alimentação em casa, porém, também compõem a alimentação fora do lar, que, por sua vez, tem peso perto de 28% na inflação dos serviços subjacentes – mais ligados ao ciclo econômico e acompanhados de perto pelo BC.