Tempo seco afeta lavouras e acende alerta sobre os preços de alimentos

Falta de chuvas já atrasa plantio de culturas importantes, como feijão e soja; receio com problemas na safra eleva prêmios de exportação no porto de Paranaguá (PR)

Os incêndios recentes em áreas de produção agropecuária de diferentes regiões do país assustaram a população, mas, no momento, o tempo seco é a grande preocupação climática no agronegócio brasileiro. A falta de chuvas já atrasa o plantio de culturas importantes, como soja e feijão.

O impacto da estiagem sobre os preços de alimentos e outros produtos agrícolas é, até o momento, limitado, o que não faz desse um problema menor, especialmente porque a meteorologia indica que o tempo continuará seco no futuro próximo.

No caso da soja, o principal item de exportação do agro nacional, a seca tem exigido mudanças na programação de plantio da safra 2024/25. Em importantes Estados produtores, como Mato Grosso, o calendário oficial previa que a semeadura da nova temporada começaria no primeiro fim de semana deste mês.

O atraso no plantio estimula a comercialização da oleaginosa no mercado à vista. Esse movimento acirra a “competição” entre compradores domésticos e internacionais por lotes do grão, segundo pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).

Isso se reflete sobre os prêmios da soja, uma espécie de bônus pago sobre o preço do grão na origem. Na segunda-feira (9/9), os prêmios para o grão entregue no porto de Paranaguá (PR) eram de US$ 1,18 por bushel, e, para outubro, de US$ 1,20 o bushel. O indicador do Cepea com base no terminal paranaense já subiu 1,35% neste mês, para R$ 140 a saca.

Feijão

A estiagem também tem atrapalhado o plantio de feijão no país. A semeadura da primeira das três safras nacionais começou em agosto, principalmente no Paraná, mas o solo seco dificulta os trabalhos.

Segundo levantamento do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, até o dia 5 de setembro, o plantio havia ocorrido em apenas 3% da área prevista para a safra de verão 2024/25. Na mesma fase do ciclo anterior, os trabalhos haviam ocorrido em 10% da área.

Clima seco também tem atrapalhado o plantio de feijão no país — Foto: Wenderson Araújo / CNA

O Deral estima que os produtores do Paraná vão plantar 131 mil hectares de feijão entre agosto e dezembro, uma área 22% maior do que a de 2022/23.

“Com o preço da soja em baixa [em comparação com anos anteriores], os produtores têm se voltado ao feijão”, diz Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro dos Feijões e Pulses (Ibrafe). Se as projeções se confirmarem, a produção deverá crescer 57% no Estado, para 251 mil toneladas.

Neste momento, há feijão no mercado nacional porque acabou a colheita da terceira safra, com 812,5 mil toneladas em todo o país. “Em algumas regiões do Cerrado, as altas temperaturas aumentaram a incidência de mosca branca, o que reduziu produtividade”, afirma o dirigente.

Açúcar

Os incêndios que ocorreram entre o fim de agosto e o início de setembro em São Paulo afetaram 80 mil hectares de cana no Estado. Por causa do tempo seco no Centro-Sul, as usinas anteciparam o fim da moagem da safra 2024/25, o que pode elevar os preços do açúcar no primeiro trimestre do ano que vem.

Incêndios de grandes proporções destruíram canaviais em São Paulo — Foto: Canaoeste

“A entressafra vai começar mais cedo. Como a seca danificou os canaviais, não haverá muita cana, e as usinas terminarão de moer antes neste ano”, diz Maurício Muruci, analista da Safras & Mercado.

Em São Paulo, o preço do açúcar cristal subiu 2,5% em agosto, para R$ 24,50 a saca.

Ele acredita que o aumento dos preços do cristal no mercado interno deve ter impacto sobre toda a indústria de alimentos que utiliza açúcar como ingrediente e também sobre itens da cesta básica. Isso teria reflexos sobre o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) “já visíveis a partir de outubro”, afirma o analista.

Ontem, a despeito do quadro preocupante nas lavouras, os contratos do açúcar de maior liquidez na bolsa Nova York, referência para negociações globais, fecharam em queda de 1,9%, a 18,47 centavos de dólar a libra-peso.

Nesta terça-feira (10/9), a despeito do quadro preocupante nas lavouras, os contratos mais líquidos do açúcar na bolsa Nova York, referência para negociações globais, fecharam em queda de 1,9%, a 18,47 centavos de dólar a libra-peso.

Café

Problemas climáticos no Brasil e em outros importantes produtores têm alimentado as altas do café no mercado internacional. Na segunda-feira, os contratos mais negociados na bolsa de Nova York subiram quase 4%, e nesta terça, mais 0,73%, a US$ 2,4720 por libra-peso.

“As lavouras [para a safra 2025/26] estão muito debilitadas, com alto desfolhamento e botões florais secando. Só vejo consequências ruins dessa seca”, disse ao Valor Alexandre Maroti, que tem 15 hectares de café na cidade de Bom Jesus (MG).

Lavoura de café castigada pela seca em Bom Jesus (MG) — Foto: Alexandre Maroti / arquivo pessoal

Ele conta que produzia, em média, de 80 a 90 sacas de café por hectare, mas que, no momento, em virtude da seca e das altas temperaturas, o rendimento não passa de 40 sacas por hectare. Maroti prevê que terá uma quebra de 20% no ciclo 2025/26.

A situação é um pouco melhor para produtores maiores, que têm irrigação. Ainda assim, há uma tensão entre muitos cafeicultores brasileiros, que estimam queda de volume da colheita até o próximo ano. Em alguns Estados, como Minas Gerais, já não chove há quatro meses.

“Os preços do café dispararam por causa de eventos climáticos adversos em todo o mundo, que podem reduzir a produção. A seca no Brasil impulsionou os preços após a Somar Meteorologia relatar que Minas Gerais, responsável por cerca de 30% da produção de arábica no país, não recebeu chuva na última semana”, disse Rich Asplund, analista de café da Barchart.

Asplund lembra que as cotações do robusta também subiram, após o tufão Yagi atingir o Vietnã, possivelmente danificando as plantações de café do país, que, em 2023, já tinham sofrido com uma estiagem severa. A produção vietnamita em 2023/2024 não passou de 26 milhões de sacas, apesar de a capacidade anual do país ser de 31 milhões por ano.

“Os preços do café dispararam devido a eventos climáticos adversos em todo o mundo, que podem reduzir a produção. A seca no Brasil, maior produtor mundial de café arábica, impulsionou os preços após a Somar Meteorologia relatar que a região de Minas Gerais, responsável por cerca de 30% da produção de arábica no Brasil, não recebeu chuva na última semana”, afirma o analista de café da Barchart, Rich Asplund.

Asplund lembra que as cotações do robusta também subiram — nesse caso, a alta deveu-se à passagem do tufão Yagi pelo Vietnã, país que já tinha sofrido com uma estiagem severa no ano passado. A produção vietnamita em 2023/24 não passou de 26 milhões de sacas, apesar de a capacidade anual do país ser de 31 milhões por ano. Para a safra 2024/25, a Bolsa Mercantil do Vietnã estima que a produção de café canéfora terá uma queda de 20%.

Alguns analistas acreditam que o aumento dos preços do café terá impacto sobre a inflação oficial, medida pelo IPCA, ainda neste mês de setembro. Isso porque, entre setembro de 2023 e junho de 2024, a cotação do conilon subiu 100% e a do arábica, 87%, mas as indústrias vinham segurando o repasse dessas altas ao consumidor.

Vicente Zotti, sócio-diretor da Pine Agronegócios, avalia que, no caso do arábica, é preciso analisar o clima de cada região cafeeira para estimar com precisão as consequências para a safra 2025/26. A intensidade da estiagem está diferente em cada uma dessas áreas.

“As plantas de café sentiram [mais] o clima da Alta Mogiana, onde não chove há praticamente quatro meses. Além do déficit hídrico, as temperaturas estão acima da média. No caso do Sul de Minas, muitas lavouras de 2023 já estavam podadas, e o clima está menos quente, com um déficit hídrico menor. Logo, não há um problema tão grave assim”, afirmou.

No Cerrado Mineiro, Zotti menciona que há um déficit hídrico grande e temperaturas levemente acima da média, mas que muitas cidades da região já têm um percentual elevado de cafeicultura irrigada, o que alivia o impacto da falta de chuvas. “É impossível quantificar o tamanho do problema. Como a florada do arábica cheia ainda não veio na maior parte das áreas de café do país, não dá para calcular a quebra da próxima safra”, reitera o especialista.

Carnes

A falta de chuvas em grande parte do país ainda não teve reflexos significativos sobre os preços da carne bovina nos supermercados, mas, para analistas, esse é um desdobramento possível. Com o tempo seco e o fogo nas pastagens, a tendência é que os pecuaristas acelerem o envio de gado bovino para abate, o que deve reduzir ainda mais a oferta de animais que se projeta para os próximos meses.

“A seca diminui a capacidade do produtor de segurar o gado na fazenda. Não significa que isso vai acontecer, mas é um ponto de risco”, observa o analista Guilherme Jank, da Datagro.

Com o tempo seco e o fogo castigando as pastagens, pecuaristas devem acelerar envio de animais para abate — Foto: Wenderson Araujo/CNA

Sobre os preços, ele destaca que a demanda firme nos mercados interno e externo — as exportações brasileiras têm batido recorde neste ano — tem impedido a desvalorização da arroba mesmo em um cenário de aumento da oferta. Em São Paulo, o indicador Cepea/Esalq para o boi gordo encerrou agosto em alta de 4,8% nas praças paulistas de Barretos e Araçatuba, que são referências para o mercado.

“No contexto atual, o que impressiona é que o pasto está muito seco, existe um problema de clima bem impressionante, mas o mercado parece que não está sentindo esse excesso de oferta. Parece realmente que o esgotamento dos estoques de gado do Brasil está acontecendo antes do esperado”, completa o analista.

O quadro de potencial restrição na oferta de animais no campo deve somar-se a outros fatores, sazonais, que também costumam puxar os preços da arroba para cima, como o aquecimento do consumo no fim do ano. “Se estamos projetando uma desaceleração da oferta, isso aponta para um cenário mais ‘construtivo’ para os preços”, avalia Jank.

Com isso, ele prevê que o impacto da falta de chuvas sobre os preços da carne só deverá chegar ao consumidor entre o fim deste ano e o início de 2025.

“Hoje o ambiente macroeconômico brasileiro é muito mais favorável para sustentar o consumo do que o dos últimos 15 anos, mas [o consumo no mercado interno] deve perder tração em detrimento das exportações”, afirma o analista.

Laranja

Levantamento do Cepea indica que os incêndios que ocorreram em algumas áreas de citros do interior de São Paulo no fim de agosto foram pontuais, não devendo ter impactos significativos sobre o volume de frutas no mercado. Ainda de acordo com os relatos de colaboradores do Cepea, as áreas com registro de fogo são pequenas e os proprietários conseguiram controlar as chamas rapidamente.

Aumento da incidência do greening também afeta os citros — Foto: Jaelson Lucas/AEN

O mercado de laranja, no entanto, segue pressionado. O tempo quente e seco levou o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) a cortar nesta terça-feira sua estimativa para a colheita de laranja no cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo Mineiro. A redução foi de 7,1%, para 215,78 milhões de caixas de 40,8 quilos, um volume 16,60 milhões de caixas menor do que a projeção anterior, de maio.

De acordo com a Climatempo, de maio até agora, o volume de chuvas ficou 31% abaixo da previsão. Seja como for, a seca não é o único problema de grande escala nas lavouras de laranja, que sofrem com o aumento da incidência do greening, doença que reduz a produtividade dos pomares.

A caixa de laranja pera in natura (vendida para consumo da própria fruta) subiu 1,12% em agosto, para R$ 112,90. Já os valores médios de negociação com a indústria ficaram estáveis, com a caixa de laranja no pé negociada por R$ 80,86.

Hortifrútis

A estiagem severa castiga algumas culturas, mas o tempo seco não tem causado perdas a todas elas. “A seca tem duas faces da moeda. Ela favorece algumas culturas, como cenoura e tomate, porque [a baixa umidade] adianta a maturação e a colheita”, diz João Paulo Deleo, analista de hortaliças, do Cepea, da Esalq/USP.

Clima ajudou a acelerar a colheita da batata — Foto: Wenderson Araújo/CNA

No caso da batata, a janela de colheita começa em julho e vai até o início de outubro. Mas, “quando começa a esquentar demais em setembro, o pessoal acelera a colheita para não perder a qualidade”, complementa Deleo.

O calor e o clima seco também aceleram o amadurecimento de algumas frutas, que, além disso, ficam mais doces. O analista afirma, porém, que a maioria dessas lavouras é irrigada e que os custos de produção sobem nesses momentos, o que pode comprometer a oferta em prazos mais longos.

“Períodos excessivamente secos podem afetar as plantas de outras formas. São condições de umidade do ar, do solo, que terão de ser analisadas em detalhe nas próximas duas semanas. Além disso, será preciso acompanhar a oferta de água para irrigação”, enfatiza.

Em São Paulo, a Ceagesp afirma que o solo mais quente e seco do que o normal para esta época do ano tem favorecido a produção de tubérculos, acelerando o ritmo de colheita. Em agosto, os preços desses alimentos caíram 18,02%.

Os preços das verduras caíram 6,44% no mês passado, em média, e a tendência é que o mesmo ocorra em setembro. “Depois de geadas, que queimaram algumas folhosas, o retorno do calor na sequência estimulou a colheita desses itens, gerando reequilíbrio na oferta e fazendo com que houvesse uma redução nos preços”, disse a Ceagesp.

Outras culturas

O tempo quente e seco pode afetar a produtividade de culturas regionais. No Pará, o gerente da Cooperativa Mista de Tomé-Açu (CAMTA), Emerson Tsunoda, fala de uma quebra de 50% na produção de cacau, açaí, pimenta-do-reino e frutas, como o cupuaçu.

Na região da cooperativa, a maior parte dos produtores não conta com sistemas de irrigação, pontua Tsunoda.

Produção de óleo de palma deve ter queda de 50% no Pará — Foto: Divulgação
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Segundo Victor Almeida, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), a falta de chuvas deve fazer a produção de óleo de palma cair 50% neste ano. “O ideal é termos 150 milímetros de chuva por mês aqui no Pará, mas estamos com déficit hídrico há quatro meses”, diz.

A Belém Bioenergia Brasil – que tem Almeida como presidente do conselho – colhia, em 2023, cachos com 25 quilogramas. Neste ano, também por causa da falta de chuvas, a média deve cair para 17 quilogramas por cachos, diz ele.


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